A morte de Brzezinski aos 89 anos gerou uma onda de propaganda e desinformação, que serve aos interesses de um ou de outro grupo, ou aos mitos que as pessoas considerem gratificantes. Não sou especialista em Brzezinski, e não vim para elogiá-lo. Foi Guerreiro da Guerra Fria, como todos em Washington durante a era dos sovietes.
Brzezinski foi meu colega durante 12 anos no Center for Strategic and International Studies (CSIS), onde eu dava aulas de Economia Política, na cátedra William E. Simon. Quando fui eleito para essa cátedra, o CSIS era parte da Universidade Georgetown. Mas o presidente da Georgetown University era um daqueles liberais que odiavam Henry Kissinger, que também era nosso colega, e o presidente da universidade odiava também Ronald Reagan por causa da retórica dele, não pelos seus feitos, dos quais o presidente de Georgetown não tinha qualquer informação. Portanto, eu também não era bem-vindo. Valesse eu o que valesse para o CSIS, Kissinger valia mais, e o CSIS não desistiria de Henry Kissinger.
Então, o instituto de pesquisa estratégica separou-se da Universidade Georgetown. Brzezinski ficou com o CSIS.
Quando meu livro de 1971 Alienation and the Soviet Economy, que circulara clandestinamente no Instituto de Economia da Academia Soviética de Ciências em versão mimeografada durante anos, foi republicado em 1990, com introdução do professor Aaron Wildavsky da Universidade da Califórnia, Berkeley. Brzezinski e Robert Conquest e dois membros da Academia de Ciências da URSS escreveram capas elogiosas para o livro. Brzezinski escreveu: “A explicação que o professor Roberts constrói para o desenvolvimento econômico soviético é oportuna e preenche considerável vazio na literatura existente. É leitura que se recomenda a especialistas e não especialistas que desejem compreender o quadro marxiano teórico dentro do qual a economia soviética cresceu e decaiu.”
Cito esse endosso por duas razões. Uma, para já deixar dito que meu testemunho sobre Brzezinski pode ser enviesado. A outra, para estabelecer que ambos, Brzezinski e eu não víamos a União Soviética como ameaça de longo prazo. Eu esperava que a economia soviética fracassasse, como fracassou; e Brzezinski esperava que a União Soviética rachasse pelas linhas de nacionalidade, o que aconteceu sob supervisão de Washington. Embora fôssemos ambos Guerreiros da Guerra Fria – eu era membro da Comissão “Perigo Presente” – os dois desejávamos solução pacífica para a Guerra Fria. Com certeza Brzezinski não era neoconservador obcecado com remover a Rússia considerada obstáculo ao unilateralismo americano. Brzezinski, como Conselheiro para Segurança Nacional do presidente Carter, não impediu o acordo SALT 2, o qual foi honrado pelo governo Carter, apesar de o Senado dos EUA ter-se recusado a ratificá-lo.
Brzezinski nasceu em Varsóvia, Polônia, em 1928. Seu pai era diplomata polonês e teve postos na Alemanha e na União Soviética. Em 1938, o pai de Brzezinski foi enviado para Montreal, Canadá, como cônsul-geral. O Pacto Molotov-Ribbentrop e a Conferência de Ialta na qual Churchill e FDR puseram a Polônia na “esfera soviética de influência” resultou em Brzezinski crescer no Canadá, onde foi educado. Adiante obteve um Ph.D. da Universidade de Harvard e tornou-se professor naquela universidade. Brzezinski tinha contra ele todas as marcas ‘de conspiração’. Foi membro do Conselho de Relações Exteriores e do Grupo Bilderberg. Por sorte, quando fui nomeado membro do Conselho de Relações Exteriores, meu nome foi rejeitado. Bola preta.
Brzezinski ser polonês, casado com uma europeia do leste, basta para explicar sua animosidade contra a Rússia. Mas Brzezinski não era belicista. Foi conselheiro da campanha presidencial de Hubert Humphrey, pregou desescalada no envolvimento dos EUA na guerra do Vietnã e renunciou a um cargo no Departamento de Estado dos EUA em protesto contra a expansão de Washington da guerra do Vietnã.
Simultaneamente, fez oposição ao pacifismo de George McGovern.
Minha opinião, valha o que valer, é que Brzezinski queria assegurar que os EUA se segurassem por tempo suficiente para que a União Soviética viesse abaixo arrastada por suas próprias contradições. Brzezinski não procurou impor a hegemonia norte-americana ao mundo. Esse é objetivo de neoconservadores, não de Guerreiros da Guerra Fria. Como o presidente Reagan enfatizou, o ponto em “vencer” a Guerra Fria seria pôr-lhe termo, não alcançar alguma hegemonia sobre a outra parte. A estratégia de Brzezinski como Conselheiro Nacional de Segurança, de atrair os soviéticos para o Afeganistão era enfraquecer a União Soviética e, assim, apressar o fim da Guerra Fria.
Esses são os fatos como os vi acontecer por experiência direta. Se estiver certo, a verdade é diferente do que temos ouvido da mídia russa e da mídia ocidental, ambas pintando um Brzezinski não simplesmente ‘do mal’, querendo destruir a URSS, mas também como Guerreiro da Guerra Fria que teria criado a Guerra Fria, a qual, aliás, começou décadas antes de Brzezinski chegar ao posto de Conselheiro Nacional de Segurança.
Ironia é que a abordagem de Brzezinski, para a União Soviética, é idêntica à abordagem da Rússia hoje, para o Ocidente. Brzezinski preferia, à détente Nixon/Kissinger, enfatizar a legislação internacional e os direitos humanos. É a abordagem de Putin hoje, para Washington e os vassalos de Washington na OTAN.
Se bem me lembro, Brzezinski quis usar ideias, como “V” em V for Vendetta, contra os sovietes, não força militar. Essa, se a memória ajuda, foi a diferença entre Brzezinski e o complexo militar/de segurança, que preferiu a força, e o secretário de Estado Cyrus Vance, que preferiu o controle de armas.
Eu nasci em The Matrix. Precisei de décadas, experiência de insider e experiências fortuitas para conseguir escapar. Brzezinski pode ter sido um desses eventos fortuitos. Lembro-me dele, contando-me como, Conselheiro de Segurança Nacional, foi acordado no meio da noite com a mensagem de que uns 200 mísseis balísticos intercontinentais soviéticos estavam a caminho dos EUA. Antes de ter reorganizado a cabeça, outra mensagem dizia que eram várias centenas de MBIs a caminho para destruir os EUA. Quando já se ia dando conta de que qualquer resposta seria fútil, chegou-lhe uma terceira mensagem: tudo não passara de erro de um exercício de treinamento que, ninguém sabe como, acabou transferido para a rede de alerta geral.
Em outras palavras, Brzezinski compreendia bem como é fácil acontecer que um mínimo erro dispare um holocausto nuclear. Queria pôr fim à Guerra Fria pela mesma razão pela qual Ronald Reagan quis pôr fim à Guerra Fria. Fazer de Brzezinski e Reagan os vilões da hora, como a esquerda faz, quando os verdadeiros vilões são os governos dos Clinton, George W. Bush e Obama, que convenceram a Rússia de que Washington estaria preparando um primeiro ataque contra a Rússia, é uma modalidade de idiotia ideológica.
Mas no ocidente, idiotia é como que o ar que respiramos. A pergunta é: por quanto tempo podemos sobreviver à nossa mortal idiotia?
Acho que a “Ameaça Soviética”, a base para a Guerra Fria, foi invenção. Foi criada pelo complexo militar/de segurança, contra o qual o presidente Eisenhower nos alertou, parece que sem qualquer efeito. Os filmes patrióticos sobre a guerra, os Memorial Days patrióticos e os 4s de julho com agradecimentos emocionados aos que morreram salvando “nossas liberdades”, as quais jamais foram ameaçadas por japoneses e alemães, mas, sim, sempre por governos norte-americanos, conseguiram fazer completa lavagem cerebral até em Conselheiros de Segurança Nacional. Nem chega a surpreender que o povo norte-americano seja hoje completamente indiferente a tudo isso.
A Guerra Fria foi orquestração do complexo militar/de segurança, e há muitas vítimas. Brzezinski foi vítima da Guerra Fria, como foi a esposa dele. JFK foi também vítima, que morreu por causa dela. Os vietnamitas, mortos aos milhões, também são vítimas. A foto da menina vietnamita nua, fugindo do napalm norte-americano pela estrada em completo terror, nos diz eloquentemente que a Guerra Fria fez incontáveis vítimas inocentes. Os soldados soviéticos mandados para o Afeganistão foram tão vítimas quanto os próprios afegãos.
A Ameaça Soviética se autorremoveu quando comunistas linha-dura prenderam o presidente soviético Gorbachev. Essa intervenção mal concebida apressou o colapso da União Soviética. Afastada a Ameaça Soviética, o complexo militar/de segurança norte-americano perdeu a justificativa para seu gigantesco orçamento.
Batendo pernas enquanto procura por nova justificação para o muito que faz sangrar o contribuinte norte-americano, o complexo militar/de segurança norte-americano fez o presidente Clinton declarar que os EUA seriam o “Policial do Mundo” e destruir a Iugoslávia em nome de “direitos humanos”. Com ajuda dos israelenses e dos neoconservadores, o complexo militar/de segurança usou o 11/9 para criar a “Ameaça Terrorista Muçulmana”. Essa ficção já assassinou, mutilou, expulsou, saqueou milhões de muçulmanos em sete países.
Apesar de 16 anos de guerras de Washington contra países que vão do Norte da África ao Iraque, Síria, Iêmen e Afeganistão, a “Ameaça Muçulmana” não é suficiente para justificar orçamento de $1,1 trilhão para militares/segurança dos EUA. Então… tiveram de ressuscitar a Ameaça Russa.
A Ameaça Muçulmana jamais foi perigo para os EUA. Só é perigo para os vassalos europeus de Washington, que têm de aceitar milhões de refugiados muçulmanos, que tentam salvar-se das guerras que Washington inventa e dissemina. Mas a recém criada Ameaça Russa ameaça todos os norte-americanos, tanto quanto todos os europeus.
Rússia pode revidar. Por um quarto de século a Rússia assistiu de longe enquanto Washington se preparava para um ataque nuclear paralisante contra a Rússia. Recentemente, o Alto Comando Russo anunciou que os militares russos concluíram que Washington trabalha na organização de um ataque nuclear surpresa contra a Rússia.
A ousada declaração russa absolutamente não foi noticiada na imprensa ocidental. Cobertura zero. Nenhum alto funcionário de qualquer governo ocidental, Trump incluído, exigiu que Putin apresentasse provas de que tal ataque à Rússia esteja sendo planejado.
Assim, o que acontecerá quando algum falso alarme, como o que chegou a Brzezinski, cair nos ouvidos de seu contraparte em Moscou ou no Conselho de Segurança Nacional? As animosidades ressuscitadas pelo demônio que movimenta hoje o complexo militar/de segurança dos EUA levarão russos ou americanos a crer no falso alarme?
As despreocupadas populações ocidentais, incluídos os governos, não sabem que vivem à beira da destruição nuclear.
Os poucos de nós que gritamos alertas somos descartados como “agentes russos”, “antissemitas” e “teóricos da conspiração”. Quando você ouvir fonte ser chamada de “agente russo”, “antissemita” ou “teórico da conspiração”, melhor você parar e prestar atenção. Esses, que sabem, aceitam as flechas, para poder dizer a verdade a todos.
Nunca, em tempo algum, você encontrará a verdade na imprensa ocidental ou em qualquer dos governos ocidentais.
A mais importante verdade de nosso tempo é que o mundo vive no fio da navalha da necessidade, do complexo militar/de segurança dos EUA, de ter algum inimigo para manter constante o fluxo dos lucros. O fato brutal é o seguinte: para garantir esses lucros, o complexo militar/de segurança dos EUA expôs o mundo ao risco do Armageddon nuclear.*****