POR MORRIS KACHANI

No headlineCientista político, ex-ministro da Ciência e Tecnologia entre 2003 e 2004 e presidente do PSB até o final do primeiro turno, Roberto Amaral tem criticado a aliança do partido à candidatura de Aécio Neves, e vem participando de vários atos pró-Dilma.

Na opinião de Amaral, a aliança “renega compromissos programáticos e estatutários, suspende o debate sobre o futuro do Brasil, joga no lixo o legado de seus fundadores e menospreza o árduo esforço de construção de uma resistência de esquerda, socialista e democrática”.

Nesta entrevista, por telefone, Amaral vai mais longe e oferece uma visão crítica não só sobre os tucanos mas também sobre o que considera uma crise da esquerda e mais especificamente, do PT. De quebra, advoga pela reforma política e parece cético com o novo governo, vença quem vencer.

“O PT não soube separar o papel do governo e o papel do partido, eles se confundiram com a máquina. Tinha que ser ao contrário, era preciso ficar de fora da máquina para fazer vigilância”.

“Tudo parou com a morte do Arraes. Com Eduardo Campos à frente, principalmente enquanto candidato, a tendência à direita se aprofunda”.

“É inviável administrar um país que tem no Congresso 28 partidos, entre os quais apenas 3 ou 4 com alguma diferenciação ideológica”.

“A verdade é que a democracia representativa não sobrevive à ausência de partidos, e nós hoje não temos partidos. O eleitor não se sente representado pelo Congresso. O eleitor virou um joguete”.

Que dizer sobre a crise da água em São Paulo?

Considero uma irresponsabilidade tremenda, em pleno século 21, São Paulo ser surpreendida por uma seca. Nem no nordeste isso tem acontecido. O que sei é que o grande negócio da Sabesp não é mais água. É a especulação financeira, com cotações sendo vendidas em Nova York. Só no ano passado, se não me engano, tiveram um lucro de R$ 1,5 bilhão, com especulação financeira.

Em que medida a responsabilidade é do governo?

O problema não é só climático. São vinte anos de governos tucanos.

Como Alckmin foi reeleito, nessas circunstâncias?

São Paulo é um caso à parte. Kassab derrotou Alckmin para a Prefeitura, e agora concorrendo para o Senado foi dos últimos, enquanto Alckmin foi reeleito. Serra, que perdeu para Haddad, agora se elege sobre o Suplicy. É algo mais que as pesquisas de opinião não detectam.

Mas tenho meu palpite. Atribuo muito à crise do PT. Há sobretudo uma rejeição ao PT que é muito forte em SP. Não quero tirar mérito do Alckmin mas seu governo é medíocre, sem obra, um governo de escândalos, e ele passa por tudo isso como se fosse uma panela teflon.

Atribuo a sobrevivência da mediocridade em São Paulo à incompetência do próprio PT. Está claro que Padilha não era o candidato ideal.

Veja que Dilma perdeu em todos os municípios da Grande São Paulo no primeiro turno. Na Grande São Paulo perdeu em todos os municípios governados pelo PT, menos em Horotlândia.

Mas o fundamental é que a esquerda e o PT, independentemente do resultado deste segundo turno, precisam fazer uma revisão. A forma atual de fazer política não atende mais a realidade brasileira.

No entanto o vice de Alckmin é de seu partido. Não há aí uma contradição?

Há uma contradição. Tudo parou com a morte do Arraes. Arraes estava para o PSB assim como Lula, digamos, para o PT. Ele era a garantia de que o partido não faria concessões.

Mas a partir dali o PSB claramente abandonou o campo de esquerda e adotou uma linha de oportunismo eleitoral, primeiro ao centro, depois do centro para a direita.

O PSB tem francas ligações políticas e ideológicas com o PSDB, em São Paulo.

Mas não tenho o direito de me surpreender. Em outros Estados, como Santa Catarina, vejo o partido se entregar para os Bornhausen, por exemplo. São concessões sérias, tudo em nome da objetividade e do pragmatismo. Tudo em nome da candidatura do Eduardo Campos.

Eduardo tornou o partido menos esquerdista?

Com a candidatura Eduardo Campos à frente, principalmente enquanto candidato, a tendência à direita se aprofunda. O pretexto deixa de ser ideológico e passa a ser o antipetismo. Tudo passou a ser permitido no próprio partido.

Como resistiu na presidência do partido vendo tudo isso acontecer?

Tive a ilusão de que não deteria o processo mas ao menos o atrasaria. Em segundo lugar, me mantive à frente em solidariedade a muitos companheiros, que se sentem desamparados. E por um sentimento histórico.

Eu não participava do comando da campanha de Eduardo, mas quando veio a tragédia não tive alternativa, segurei aquela circunstância, e consegui fazê-lo até a escolha da Marina.

Aquele era o momento de eu sair. Mas houve um atrito entre algumas alas do partido e Marina, e entendi que era irresponsável abandonar o barco. Esfacelar a campanha dela era uma crise que eu não podia me permitir.

O que aconteceu com a Marina no primeiro turno?

A subida da Marina nas pesquisas foi uma subida emocional, a reboque da tragédia e a larga exposição na mídia. Foi um erro estúpido dos marketeiros da Dilma, terem eleito a Marina como adversária, se esquecendo do Aécio. Essa brincadeira fez com que Aécio subisse.

Qual o grau de consistência do programa de governo de Marina, em sua opinião?

A tragédia do programa é que ele não foi improvisado. Foram erros pensados. O programa foi formulado em conjunto pela turma da Marina principalmente, e setores do PSB recém chegados, como Maurício Rands. Não conheciam a literatura do partido. O programa era mais do Eduardo e dela, que do PSB. Todas as questões à direita que reclamávamos, como por exemplo a independência do Banco Central ou da candidatura avulsa, o Maurício Rands nos dizia que era pedido do Eduardo.

O lançamento do programa foi um tiro no pé. Ao invés de criar uma campanha propositiva, Marina passou a se defender. A questão LGBT por exemplo, não foi inventada. Até o último debate, Marina era a única candidata que tinha um programa, se defendendo. Mas quando você não tem estratégia, é obrigado a adotar a estratégia do adversário.

Existe uma narrativa de que nestas eleições Marina quebrou o PSB e a Rede.

Ela não teve nenhuma responsabilidade nisso, inclusive ela adiou a crise do partido. Marina foi contra a aliança com Caiado, lutou até o último minuto contra o apoio a Alckmin. Não se pode acusá-la.

Você tem falado bastante sobre uma crise do PT.

Ela está inserida numa crise geral da esquerda, e isso é mundial. A Europa está caminhando para a direita. Os partidos europeus fracassaram. Foram atingidos pela queda do muro de Berlim, que funcionou como metáfora desencadeando uma crise no chamado socialismo real. Não souberam apontar para frente. Estamos num hiato, e esse hiato chegou ao Brasil.

Aqui encontramos o PT como um partido hegemônico fazendo uma política hegemonista sobre a esquerda e caminhando para o centro.

É uma tragédia típica do presidencialismo de coalizão, da cooptação. Lula é eleito tentando de início governar com a base de esquerda. Mas logo adota a política tradicional de ampliar a base. Ora, você de esquerda só pode ampliá-la pela direita, e essa ampliação tem seu preço. Você acaba abrindo o governo para forças conservadoras, compreendendo PMDB, Maluf, Sarney, o que há de pior. Era o preço do que se chama governabilidade.

Sou do pensamento de que ao lado desta base tinha que ter um núcleo forte, composto pelo PT, PSB, PDT, PC do B. Mas no final das contas esse núcleo era só PT e nem todo o PT.

O segundo erro, em minha opinião, é que Lula absorve no governo as lideranças do partido. Estes passam a ser burocratas do governo.

Quanto ao movimento sindical, esse é cooptado. Os líderes abandonam o chão de fábrica e passam a frequentar os gabinetes de Brasília. Partido e governo se entregaram de mãos atadas à coalizão.

Houve ainda uma incompetência enorme em não se construir uma própria alternativa aos meios de comunicação de massa. As emissoras públicas estatais são uma porcaria, não formam opinião. Ou seja, em 12 anos de governo não se construiu uma base de esquerda, enquanto se distribuiu à larga canais para a Globosat e os evangélicos. Não houve uma política de comunicação, apenas um arremedo com Franklin Martins.

O que é trágico é que a América do Sul é o único continente que vem resistindo à onda conservadora mundial.

Por isso, seja qual for resultado destas eleições, é preciso repensar, o que é ser esquerda, o que é ser socialista no Brasil. Quais os limites de um governo de centro esquerda, o papel dos sindicatos e movimentos sociais.

O PT não soube separar o papel do governo e o papel do partido, eles se confundiram com a máquina. Tinha que ser ao contrário, era preciso ficar de fora da máquina para fazer vigilância.

Lenin dizia, o partido precisa ficar à esquerda do governo e à direita das massas.

Ainda assim você está apoiando Dilma, ao contrário de seu partido.

Não estou fazendo uma avaliação de governo, minha avaliação é ideológica. Com todos seus defeitos este governo conseguiu implantar uma política externa independente. Produzimos e distribuímos riqueza. Criamos mais vagas nas universidades que todos governos anteriores.

A crítica que faço é por dentro da esquerda. O PSDB para mim representa a privataria, o tarifaço.

Não seria o PSDB um partido de centro-esquerda, pelo menos em sua origem?

Nem em sua origem. O projeto do PSDB era de ser um partido social democrata, mas você só consegue isso se tem inserção trabalhista. O PT realmente é uma social democracia pois mais do que outros, incorporou a massa proletária. O PSDB terminou se transformando em uma UDN renovada, ligado principalmente à classe média urbana, com ligações profundas com o capital internacional.

Não seria simplista esta visão de que o PT é o partido dos pobres e o PSDB, dos ricos?  

Não acho, a questão realmente é essa. O perigoso é negar a luta de classes. É pensar que o motorista e o patrão têm os mesmos interesses na sociedade.

E o que dizer sobre este Congresso que foi eleito?

Ninguém governará o Brasil se não houver um acordo para a reforma política. É inviável administrar um país que tem no Congresso 28 partidos, entre os quais apenas 3 ou 4 com alguma diferenciação ideológica. E nenhum partido é realmente orgânico.

Ao mesmo tempo você tem as chamadas bancadas. O agronegócio por exemplo, tem 200 deputados distribuídos por todos os partidos, assim como os evangélicos, os da bala, os disso ou daquilo.

Então, é preciso negociar com os partidos e com as bancadas.

A verdade é que a democracia representativa não sobrevive à ausência de partidos, e nós hoje não temos partidos.

O eleitor não se sente representado pelo Congresso. A democracia representativa faliu no Brasil. Hoje a eleição é decidida pelo poder econômico e dos meios de comunicação de massa. O eleitor é um joguete.

Você é otimista?

Não sou otimista. O próximo governo vai ter grandes dificuldades, não econômicas – a economia vai bem – mas políticas. Existe uma grave crise política em gestação. Vou lutar por um acordo, espero que baixe a reforma política. Mas quem vai decidir isso em termos institucionais é o PT, o PSDB e o PMDB.

E a ideia apregoada por Eduardo Giannetti, de reunir os melhores quadros de PT e PSDB em um governo de união?

Isso é idiotice, não existe ‘melhores quadros’. Melhores em que? Conheço reacionários que podem ser competentíssimos, e ainda por cima honestos.
Fonte: http://blogdomorris.blogfolha.uol.com.br/