por:Antonio Delfim Neto

ADelfim Netos incertezas estruturais produzidas pelo futuro opaco, sobre o qual a única certeza é que ele não repetirá o passado, somadas às conjunturais, determinadas pelas circunstâncias locais e mundiais, tornam sempre muito difícil o exercício da política econômica e a sua crítica.

Um problema interessante é tentar entender quais os fatores que condicionam a formulação de uma política econômica para tentar atingir seus objetivos, sendo certo que para cada um é preciso dispor de um instrumento independente. É possível distinguir pelo menos dois: 1) o conhecimento de que se dispõe sobre suas consequências, produzido pelo que se supõe ser a “melhor teoria” disponível naquele momento: como os relaciona e em que tempo se produzirão os resultados esperados. Toda política econômica é assim, por definição, datada; e 2) porque o futuro é opaco, é preciso, necessariamente, tentar antecipar como ele vai materializar-se e determinar as reações dos agentes econômicos em resposta aos estímulos que ela provocará. É por isso que as decepções e os erros são frequentes e devem ser analisados criticamente para que não se repitam. No conhecimento econômico, o que muda são as respostas, não os problemas!

Não há, entretanto, nada mais prepóstero do que a crítica mal informada “em si mesma”, pela interpretação equivocada dos fatos, ou pela ignorância de quais eram o conhecimento e a prática generalizada no momento, ou pior, pela ridícula utilização do truque ordinário de antecipar o “futuro” quando ele já é o “passado” conhecido.

Temos de trocar os pneus do caminhão com ele andando…

Complementando o que disse o grande físico Stephen Hawking, “o grande inimigo do conhecimento não é a ignorância, é a ilusão do conhecimento”, principalmente do obtido por osmose e vendido na televisão a custo marginal nulo. Por exemplo, nos anos 60/70 do século passado, a maioria dos economistas, por inspiração keynesiana, namorava uma “política de rendas” (controle de salários e preços) para controlar a inflação quando havia estresse no mercado de trabalho. Seria o único instrumento, numa economia de mercado, capaz de compatibilizar o pleno emprego com a estabilidade da taxa de inflação. Um grande número de países desenvolvidos – inclusive os EUA – a utilizaram. A exceção, como sempre, foi a Alemanha Ocidental com a sua economia social de mercado.

Como as consequências tardam, mas não falham e acabam sempre cobrando o seu preço, uma década depois, a experiência deu no que deu. Desmoralizado, o tal keynesianismo de “pé quebrado” foi sendo substituído pelo monetarismo delirante, pela incrível teoria das expectativas racionais e pela fantástica hipótese que os mercados financeiros eram perfeitos e autorreguláveis: eles teriam uma moralidade ínsita imposta por uma espécie de “imperativo categórico” kantiano.

Hoje sabemos como tudo terminou. Na Grande Recessão de 2007, que ressuscitou algumas das perspicácias do velho Keynes sobre o papel fundamental, mas destruidor (já intuído por Marx), do sistema financeiro no processo de desenvolvimento econômico, quando não é impedido, por uma regulação inteligente e forte, de controlar o sistema produtivo real e o sistema político. Talvez seja oportuno lamentar que Marx e Keynes continuem vítimas de seus asseclas!

A despeito de tanta confusão, é preciso afirmar que o conhecimento econômico continuou avançado. A ação dos governos e seus bancos centrais, sob cujos olhos míopes o sistema financeiro internacional fez a sua penúltima traquinagem, foi muito melhor informada e eficaz do que a dos anos 30 do século passado e evitou a repetição da Grande Depressão.

Só agora, sete anos depois da crise, o mundo desenvolvido está voltando ao nível de atividade que tinha em 2007, mas em situação fiscal muito mais difícil. O mundo emergente recuperou-se mais rapidamente, mas sente falta do dinamismo produzido pela ampliação do comércio exterior. Os EUA estão em melhor situação pela revolução energética, pela aceleração das inovações e pela combinação do controle de gastos públicos com um aumento do crescimento. A Europa, infelizmente, está atrasada pela dificuldade de coordenação entre os seus países e pelo uso, simultâneo e abusivo, da austeridade fiscal. Flerta, hoje com uma perigosa deflação.

Ao olhar o mundo, não parece provável que haja uma recuperação global importante em 2014 e 2015. Talvez um pequeno aumento dos países desenvolvidos com relação a 2003 (1,2%), para 1,8% em 2014 e 2,2% em 2015 e uma redução dos emergentes (4,6% em 2013) para 4,3% em 2014 e 4,5% em 2015.

No Brasil, nada sugere um crescimento muito diferente do de 2013 (2,3%) em 2014 e 2015. Obviamente, não devemos esperar nenhuma contribuição importante do volume físico das exportações, ainda que seus preços possam flutuar em resposta aos eventos climáticos.

Seguramente não estamos à beira do apocalipse, como querem alguns, mas a situação é desconfortável. Precisamos de medidas estruturais (reformas: orçamentária, previdenciária, trabalhista, política industrial etc.) e medidas conjunturais adequadas e coordenadas (fiscais, monetárias e cambiais) que compatibilizem melhor a fundamental política civilizatória de inserção social que estamos praticando, com a necessidade de aumentar a produtividade da mão de obra, o único caminho para a volta ao crescimento. Não vai ser fácil. Temos de trocar os pneumáticos do caminhão com ele andando…

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras