Para Vera Lúcia
No próximo dia quinze, como há muitos e muitos anos, excetuados os do exílio, eu felicitaria o Oscar por mais um aniversário, e ele, como sempre, engrenaria um bom papo. Eu ficaria de ligar para marcarmos almoço ou jantar, mas nunca tive coragem para apropriar-me de mais tempo ainda do pouco que lhe restava. Às vezes, eu seria surpreendido, como às 21h de um dos últimos, imediatamente pré ou já pós-centenário, por um dos seus assessores: – “Ele pede que o senhor volte a ligar daqui a uma hora, porque está finalizando um projeto”. Apesar da idade, não deixava de produzir nem à noite da data natalícia. Acredito que seja um feito mundial inédito. De um sonhador genial que até samba fez.
Mas, Oscar jamais se preocupou com façanhas ou livros de recordes, muito menos com homenagens e honrarias. Queria apenas viver a sua vida de marxista coerente no amor ao seu povo e ao seu trabalho, para quem a prática era o critério da verdade. Dialético em tudo que fazia e vivia, um mestre da invenção e da criatividade ou, como dizia o Darcy Ribeiro, nosso amigo comum, “Uma força da natureza”.
Conheci-o em meados dos anos 60, quando me procurou na redação do Correio da Manhã para que o ajudasse a resolver um problema: teria que estar em Genebra no dia seguinte, na inauguração de um congresso do Conselho Mundial da Paz, mas não poderia viajar – leia-se: amarelara, mas uma vez, na iminência de um vôo – e queria que eu, colunista de diplomacia e política externa do jornal, com os meus contatos no Itamarati e no corpo diplomático, fizesse chegar à Suíça pelo menos o seu discurso, o que acabamos conseguindo com as boas graças de uma prestimosa aeromoça da Swiss Air. Foi o início de uma longa amizade, que se solidificaria nos almoços e jantares no Lucas, ali pertinho do seu escritório da Atlântica, nos reencontros em Argel, onde criava a Universidade de Constantine, e pela vida a fora. Dos últimos encontros, ficaram na lembrança a festa do centenário, na bela Casa das Canoas, no Joá, e as duas vezes em que fui entrevistá-lo: para o Jornal do Brasil ou para O Pasquim 21, com o Ziraldo, e para o filme “O eterno poder jovem”, do Jesus Chediak. Ano passado, fui à comemoração dos 104 anos, mas o elevador, talvez mais antigo do que o homenageado, simplesmente enguiçou, e os dois infartos no meu prontuário vetaram a subida pelos degraus até o 11º andar.
Tinha, entre tantas qualidades, uma que me tocava bem de perto: a preocupação com a precisão na linguagem. Enio Silveira, da Civilização Brasileira, nosso editor dos anos 60, certa vez me disse que Oscar seria um dos grandes escritores do país, se a arquitetura não monopolizasse todas as suas energias e todo o seu tempo disponível.
Guardarei sempre as melhores recordações dos nossos encontros. Estivemos sempre do mesmo lado político, nas lutas e campanhas democráticas, inclusive contra a ditadura. E o seu exemplo de marxista conseqüente, lúcido e firme, sem jamais deixar de ser um humanista, fortaleceu as minhas próprias convicções. Era, enfim, uma dessas raras pessoas que, num primeiro e desavisado momento, até espanta que também sejam mortais. Estou com a atriz Marília Pêra: – “O Niemeyer era a minha esperança de imortalidade”.
Com as minhas mais sentidas condolências para a Vera Lúcia, os familiares e a legião de amigos que soube cultivar.
Arthur Poerner
Fotos de um dos nossos últimos encontros, em 2007, quando fui entrevistá-lo para o filme “O eterno poder jovem” de Jesus Chediak:
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