por: Joaquim Falcão
Medo diante de três acontecimentos. Primeiro, a capacidade de a Lava Jato, com a Procuradoria Geral da República, continuar revelando fatos indignantes. Segundo, a inédita decisão do Supremo de prender um congressista. Terceiro, a decisão do PT de não o apoiar na Comissão de Ética.
Não se trata mais de saber se tem conta na Suíça ou não. Se se mentiu ou não aos colegas. Tudo fica pequeno quando a alma é pequena. A eventual conduta ilegal de Eduardo Cunha agora é outra. É maior. Fácil perceber.
As prerrogativas de decidir pauta, horário das sessões, prioridades de votação, encaminhamento ou não dos pedidos de impeachment, por exemplo, não são prerrogativas do “cidadão” Eduardo Cunha. Nem mesmo do “deputado“ Eduardo Cunha. São prerrogativas públicas do cargo de “presidente da Câmara”.
Como prerrogativas públicas, não podem ser apropriadas por interesses privados. É como se um policial usasse a viatura pública, que tem finalidade de garantir a segurança da coletividade, para ir à praia com a família. Ou o delegado deixasse de registrar uma queixa porque é contra um parente seu.
Em suma: o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, estaria usando da prerrogativa pública para a proteção privada do cidadão Eduardo Cunha. São papéis com direitos e deveres distintos. Não se confundem.
Não é por menos que vários juristas consideram, e já começam a surgir, junto ao Supremo, tentativas de caracterizar esta ilegalidade.
Será prevaricação? Diz o Código Penal, no artigo 319: Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.
Será desvio de finalidade? Diz o artigo 2º, e, da Lei de Ação Popular: o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.
Será coação no curso do processo? Diz o artigo 344 do Código Penal:Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral.
Será ofensa ao princípio constitucional da separação de poderes? Tentar impedir que os poderes funcionem livremente?
Quem decidirá é o Supremo.
A jurisprudência sugere que o Supremo dificilmente avaliará se há ou não fato e motivo legal para o impeachment da presidente Dilma. Esta decisão cabe ao Congresso.
Mas certamente será provocado a decidir sobre a legalidade ou não do processo decisório que Eduardo Cunha estaria seguindo. O Ministro Marco Aurélio já está ansioso por tanto.
Se o Supremo decidir que não houve ilegalidade da parte de Cunha, o processo continua. Se ilegalizado, como essa ilegalidade afetará o pedido de impeachment em curso? Afasta-se o Presidente da Câmara? O processo deve parar, ou mesmo assim continuar?
Pode ainda o Supremo não decidir nada. Esperar para ver.
O Supremo nada decidir significa que quem comanda o país é o círculo vicioso da crise econômica e o círculo virtuoso dos mísseis da Lava Jato.
Tem época que o direito molda a política. Em outras, a política molda o direito. Hoje, não sabemos bem.