E lá fomos nós mais uma vez acompanhar, pela televisão, um julgamento político-jurídico decisivo para os rumos do país, com a expectativa tensa e a impotência de quem segue apuração de desfile de escola de samba, atarantados com um juridiquês quase sempre pomposo que desafia a ignorância da maioria de nós na matéria.

Em que pese a relativa previsibilidade (é verdade que ninguém imaginara que uma ministra votaria contra o próprio entendimento…), o julgamento do habeas-corpus do ex-presidente Lula foi marcado pelo inusitado: o maior deles, sem dúvida, o fato de suas excelências terem feito seu trabalho “com a baioneta no pescoço” (na feliz expressão de Bernardo Mello Franco), após a esdrúxula e ainda não esclarecida ameaça de um general que comanda 220 mil soldados, com uma reserva de uns 280 mil.

(Pensando bem, o ultimato pode não ter incomodado tanto, visto que apenas o decano Celso de Mello repeliu os tweets do general boquirroto, e talvez tenha ajudado a criar o clima para a narrativa apocalíptica de juízes que dizem tomar o pulso das ruas.)

E houve mais nesse desfile bizarro: juiz de piso orientando, pela TV aberta, o voto de ministra do Supremo, e até mesmo procurador místico-salvacionista fazendo vigília em jejum. No fim, restou referendado o processo contra Lula, escandalosamente marcado por convicções sem provas, e ganhou corpo – ao menos até o próximo julgamento – uma linha jurídica, por assim dizer, punitivista, que identifica no “excesso” de garantias legais a fonte da impunidade no Brasil. E dá-lhe juízes, mesmo sem a indispensável legitimidade do voto, fazendo as vezes de legisladores…

Tempos estranhos, sem dúvida.

Algumas reflexões vem à baila. A primeira diz respeito ao angustiante estreitamento da democracia no Brasil. Ora, se as jornadas de junho de 2013, talvez o estopim da turbulência em que nos enfiamos, “romperam a blindagem do sistema político contra a sociedade”, como diagnostica o prof. Marcos Nobre, o resultado, passada meia década, é frustrante: o pleito de 2018 começa a se definir pelo alto, sem interferência efetiva dos que batem panelas, agitam bandeiras vermelhas ou se exaurem nas redes sociais.

Outra se refere ao caminho percorrido até aqui pela centro-esquerda, hegemonizada pelo lulopetismo: consagrada, em 2002 e 2006, por votações acachapantes (Lula termina seu segundo mandato com aprovação nunca vista na História desta república!), acaba permitindo que seu projeto de poder dependa, ora de um deputado-gângster conhecido por sua desenvoltura na arte da chantagem, ora de um Judiciário cujas preferências políticas não são segredo para ninguém.

Talvez tenha faltado a autocrítica necessária para as correções de rumo que se impunham, talvez tenha sobrado a ingenuidade de marinheiros de primeira viagem… O fato é que chegamos a uma encruzilhada, e urge encontrar, como diria Guimarães Rosa, “o beco para a liberdade se fazer”.

Temos, esta é a previsão, um encontro marcado com as urnas daqui a meros seis meses.

Pedro Amaral