A hora é boa para lembrar de um grande brasileiro, do qual meu filho Chico tem a honra de ser neto. A cassação pelo ato institucional número 1 só honra a memória de Osny Duarte Pereira com quem tive o privilégio de conviver. Segue abaixo o artigo que publiquei no Jornal do Brasil por ocasião de seu falecimento.
Isabel Lustosa
Osny Duarte Pereira começou a morrer quando a vista lhe faltou. Vista de olhos míopes que brilhavam vivos, inteligentes e pequeninos, por trás das lentes grossas dos óculos de grau. Vista de míope que, junto com a asma, o acompanhava desde a primeira mocidade e, com o apoio da qual, construíra sua obra de cientista político e homem das leis.
Desde o primeiro jornal escrito no grupo escolar onde passou a infância modesta na pequena Itajaí, no interior de Santa Catarina, o menino de remota origem judaica, já se exercitava nas grandes questões sociais. Tema que o preocuparia por toda a vida.
Da experiência seguinte, em Florianópolis, onde estudou num colégio de jesuítas, Osny, avesso às coisas da religião, pois desde muito cedo abraçou o materialismo dialético, manteve a obediência à disciplina, o respeito às leis e o grande talento para a argumentação.
Teve sempre a paixão pela análise de um tema em suas minúcias, em seus múltiplos aspectos: dos problemas mais graves do país, à menor questão pessoal, ele tinha enorme prazer em produzir em sua letra miúda e correta, que se manteve até o final firme e limpa, o arrazoado, o parecer. Usava a lógica mesmo nas situações mais ilógicas.
É uma peça jurídica maravilhosa o seu recurso pedindo promoção por antiguidade ao cargo de desembargador, em pleno mês de setembro de 1968, às vésperas do AI-5, apesar de ser o número 21 da lista dos cassados pelo golpe de 1964 e se encontrar em disponibilidade.
Invocava a lei mesmo quando a lei se esgarçava, quando a lei era apenas um simulacro de lei.
Era um grande advogado e a gente, vendo com o olhar de hoje, não pode deixar de rir, da esperteza com que esgrimia, na sua implacável argumentação, os mesmos instrumentos que o regime da exceção tinha criado, para defender a causa de um dos iminigos daquele mesmo regime. E isto é também uma amostra de seu enorme talento para a ironia.
A inteligência aguda, o raciocínio lógico, preciso, usou-os sempre em favor do Brasil.
Era um daqueles que, ao abraçar uma causa não cresce com ela, e acaba por fazer-lhe sombra, ao contrário, preferia atuar nos bastidores. Assim foi sua ação assessorando as subcomissões na Constituinte de 1988.
Durante a homenagem que lhe prestou o Congresso Nacional, em julho de 1989, Lysâneas Maciel disse que Osny Duarte Pereira tinha sido um dos mais prolíficos e competentes constituintes.
Constituinte ad hoc, pois, segundo levantamento do INESC, mais de cem das emendas subscritas por deputadas da bancada nacionalista, foram literalmente propostas por Osny.
Seu discurso de agradecimento é ainda uma profissão de fé aos ideais por que sempre lutou.
“O imperialismo impede a análise da dívida externa, apodera-se do resto dos serviços bancários, impõe o pagamento pontual dos juros de uma dívida ilegítima, contraída em clima de cumplicidade.
Raspa os cofres públicos, impondo, pela inflação, a proletarização definitiva da classe média e leva multidões ao desemprego e à miséria.
Desmantela o ensino, os hospitais, a previdência e em contraste com salários altíssimos para os setores de direção e lucros fabulosos dos bancos e dos cartéis.
O imperialismo favorece a guerrilha urbana dos desesperados e das vítimas dos aproveitadores do nacotráfico, com o derrame do ouro para enxugar o dinheiro das fortunas ilícitas.”
A coerência é a marca de toda a sua vida. A vasta obra impressa que deixou, desde o Direito Florestal Brasileiro, em 1951, passando pela sua contribuição ao ISEB, e pelos livros publicados sob pseudônimo durante o regime miltar, apresenta como uma constante o compromisso permanente com a defesa dos interesses e das riquezas do seu país.
Ao longo dos 88 anos em que viveu, Osny Duarte Pereira teve um único partido.
Como ele mesmo disse uma vez, o seu partido era o de Tiradentes, era o partido do Brasil.