O ano de 2016 foi muito áspero, a ponto de o jornal The Guardian ter escolhido “pós-verdade” como uma das palavras-ícone do ano. No Brasil, o modo sui generis de destituição de um governo eleito por julgadores que, em grande parte, são personagens cotidianos da crônica “corrupção”, foi redefinido, eufemisticamente, como um “tropeço na democracia brasileira”.E dos subterrâneos em que se movimentam os donos do dinheiro e do poder emergiram os verdadeiros interessados na instauração da nova ordem. Operadores de títulos da dívida pública, bancos, financeiras e negociadores dos serviços patrocinaram, e ganharam, a PEC 241/PEC 55. As despesas primárias serão reduzidas entre 0,5% e 0,8% do PIB ao ano, o que comprometerá severamente as universidades federais e a área de ciência, tecnologia e inovação. Seguradoras, fundos de pensão, bancos, essencialmente, estão sustentando a narrativa da crise da previdência – e a grande mídia empresarial nada mais faz do que dar eco a tal ação – objetivando encolher o sistema público de previdência social para ampliar os seus negócios no setor.
Medidas hostis à ciência, à tecnologia, à arte e à cultura tentam impedir a laicidade e o caráter secular da vida social, sufocando valores republicanos e herdeiros do Iluminismo, por meio de uma ação feroz contra a educação pública. Nesse sentido, a deportação de Adlène Hicheur expressa uma triste síntese de como os que estão comprometidos com a ciência podem ser acossados.
O voluntarismo e o ativismo dos novos arautos da ordem, alguns alojados no Judiciário, outros auspiciados por fundações privadas vinculadas às corporações, rapidamente se movimentaram para preservar a “ordem política, moral e social” do país, como no macarthismo e, no Brasil, nos inquéritos orientados pelo Decreto 477/69 e pelo AI-5/68 da ditadura empresarial-militar.
Tentam impor, como algo natural, que as universidades prestem explicações por seu apreço à democracia, à liberdade de pensamento e de cátedra e à Constituição.
Por tudo isso, a postura das universidades públicas, e da UFRJ em particular, em 2016 é motivo de orgulho e de esperança. Foram altivas, corajosas, magnas, na defesa dos valores democráticos e da educação pública. Mesmo estranguladas por orçamentos decrescentes, por mudanças indesejáveis na área de ciência e tecnologia, foram criativas e comprometidas com os problemas dos povos, ao investigar o nexo zika e microcefalia, ao propugnar a necessidade de redimensionamento da formação de professores e ao promover tantos outros avanços científicos, tecnológicos e culturais indispensáveis à secularização da vida social. Novos aportes jogaram luz sobre grandes enigmas: a identificação das ondas gravitacionais e os novos conhecimentos sobre Lucy fortaleceram os conhecimentos acerca da evolução, para horror dos fundamentalistas. Tão importante quanto, a universidade seguiu buscando diálogo com a sociedade e aperfeiçoando a docência e a formação das e dos estudantes.
Os estudantes emocionaram todo o país ao reivindicarem o espaço escolar e universitário, lutarem pela educação pública e exigirem relações humanas que reconheçam um universalismo em que caibam todos os rostos humanos, lutando com outros setores contra o racismo, o sexismo e a discriminação aos LGBT.
Em 2017 os que lutam pela democracia, pelo conhecimento crítico e comprometido com os desafios atuais e futuros dos povos e pela justiça social seguirão apoiando e incentivando um porvir generoso para as universidades públicas. Em um contexto em que poucas instituições gozam de credibilidade, criar iniciativas que produzam reconhecimento, confiança, luz para dissipar a pós-verdade nos enche de entusiasmo e paixão pelo fazer universitário. Cada uma, cada um de nossa comunidade universitária é parte deste momento sublime. Com realismo crítico, construiremos, junto com o povo, um 2017 que surpreenderá pelo abandono da apatia e da desesperança.
Reitoria da UFRJ