Estamos em um bom momento para discutir o direito penal máximo. A votação no Congresso Nacional das chamadas dez medidas do Ministério Público foi reveladora.
Da esquerda à direita ficou claro que a exceção parlamentar é aquela que não insere a pena como alternativa de solução de todos os nossos problemas.
Medidas que pretendam reduzir a prática da corrupção são mais do que necessárias -são fundamentais para garantir que o Estado brasileiro não seja, como sempre foi, capturado por interesses privados em detrimento do interesse público.
Mas será a pena (ligada frequentemente no imaginário popular ao encarceramento) a primeira, ou única, solução a ser adotada?
Não teve repercussão no debate nacional, entre outras propostas, a necessidade de que o controle social seja ampliado sobre os mandatos, de que a Controladoria-Geral da União seja fortalecida para ampliar os mecanismos de apuração administrativa de desvios, de que uma reforma política iniba ainda mais o peso do poder econômico sobre as representações.
Em nome do combate à corrupção a sociedade não pode e não deve dar autorização para que qualquer autoridade passe por cima de direitos fundamentais.
O que a maioria parlamentar da Câmara dos Deputados fez, de maneira equivocada, ao votar o projeto de crime de abuso de autoridade para juízes e promotores, foi utilizar a mesma lógica que orienta a criação de tipos penais vagos e abertos, sem restrição.
No discurso parlamentar a ênfase era de que a Justiça e a lei seriam para todos. Interessante que o argumento é utilizado para legitimar o que fazem representantes do Ministério Público e do Judiciário quando preconizam a prisão preventiva como regra e não como exceção, ignorando que no processo penal brasileiro o acusado não possa ser encarcerado antes de sentença condenatória transitada em julgado, salvo, repito, nas exceções já elencadas restritivamente na lei e na doutrina mais sóbria.
Parte do Judiciário e do MP apontará para a maioria do Congresso e dirão: “com esse voto vocês poderão estar criminalizando o trabalho de todos os nossos pares”. Parte do Congresso apontará para o MP e Judiciário e dirá: “se vocês podem passar por cima de direitos fundamentais, e a lei é para todos, nós também podemos”.
Quero olhar para os dois lados e, com firmeza de propósitos, questionar: não estarão as duas partes equivocadas? Para reduzir a prática da corrupção não precisamos passar por cima dos direitos constitucionais de juízes, promotores, deputados, operários, empregadas domésticas, de ninguém…
Não há um único ser humano que resista a um processo sem garantias. Os mais pobres no Brasil já sabem disso há muito tempo.
O procurador que apresenta de forma maniqueísta a tese de que aqueles que não querem inverter o ônus da prova (que tem de ser da acusação, logicamente) são favoráveis à corrupção é o mesmo que estará legitimando que o Legislativo aprove o vago conceito de que juiz e promotor que procedem de modo “incompatível com a honra” sejam criminalizados.
O estado mínimo em direitos sociais é irmão siamês do estado punitivo máximo. O maniqueísmo institucional não é bom conselheiro para uma sociedade em que políticas voltadas à redução da corrupção e à garantia de direitos constitucionais possam caminhar de mãos dadas.
GLAUBER BRAGA, bacharel em direito, é deputado federal (PSOL-RJ)