por: Luiz Alberto Gomez de Souza
Depois de uma abertura que encheu as medidas e sobre a qual escrevi entusiasmado, seguiram-se dias incríveis, em que se romperam limites de corpos e mentes com deficiências, mostrando que toda superação é sempre possível. Pessoas consideradas menos válidas, numa sociedade tantas vezes hedonista na cultura do corpo saudável, mostraram toda sua força, seu valor, seu tesão de viver e de saltar por cima de obstáculos. É difícil escolher esta ou aquela competição, praticamente todas fantásticas. Entretanto, tomo como sinal luminoso, nosso querido Daniel Dias, insuperável na natação, membros atrofiados, com 9 medalhas, 24 pódios nas últimas competições.
E sentia-se nos atletas uma alegria contagiante no que diziam ou agiam: Nós podemos. E não só nos que receberam medalhas, todos tinham o orgulho de participar. Aquele músico sem braços, tocando violão com os pés na cerimônia final; o jogador de ping-pong também sem braços; a precisão nos passes e a rapidez dos jogadores turcos cadeirantes no basquete; aquele jogo de futebol de cegos, assistido por um público contido em total silêncio, para que os jogadores ouvissem os guizos da bola, e assim por diante. Nas Olimpíadas havia atletas profissionais, corpos avantajados, derrubando recordes, mas muitos usando às escondidas anabolizantes. Aqui eram amadores, no melhor sentido da palavra amor, embutida na expressão, mostrada na cerimônia final em várias línguas, dos mais de duzentos países e culturas. Era a persistência de transformar limitações em impulso para ir sempre mais além.
Como nas três cerimônias anteriores, na final o povo, os refugiados e os voluntários foram saudados. Silêncio para as autoridades, no medo da reação do público. A imagem mostrou fugazmente o presidente da Câmara pouco a vontade, provisório do provisório que está estrategicamente no exterior.
Não podemos esquecer que sem o poder público, na organização, financiamento, segurança e em tantos outros pontos, não aconteceriam eventos desta magnitude. Só que os poderes federais estavam neste momento em mãos consideradas frutos de um golpe. Há que lembrar que Lula e Dilma participaram da preparação e, na escolha do Brasil como sede, estiveram Lula, o governador e o prefeito do Rio. Este último, a quem se deveu sem dúvida bastante, no final, apareceu rapidamente, como na abertura, ao passar a bandeira paralímpica à governadora de Tóquio. Tratava-se do dirigente político da cidade-sede e seria normal um certo protagonismo dele. Pelo que deu para ouvir, sua presença suscitou aplausos e assobios misturados. Foi envolvido pela rejeição ao nível superior. Alguns músicos mostraram rapidamente o lado de trás de seus instrumentos com o mote contagiante de Fora Temer. Um povo presente e um governucho (expressão da minha terra) se escondendo.
Venho desde muitos anos dizendo que dou mais importância à sociedade civil do que à sociedade política. Betinho dissera: “prefiro a planície ao planalto”. Mas temos de convir que a construção da nação passa necessariamente pelo governo ou é por ela freada, como há o risco muito concreto agora. Melancólicas autoridades liliputianas num tempo grande e ambicioso dos torneios.
Quando da cerimônia de abertura, eu dissera que a considerei melhor que a das Olimpíadas. Desta vez, houve figurinos criativos, efeitos visuais belíssimos ao fundo, uma grande orquestra, excelentes músicos, ritmos diversos até a chegada do funk do Nego do Borel, saindo da favela. Assim a centralidade foi um show de altíssima qualidade, mas poucas vezes com a participação dos atletas paralímpicos. Desse ponto de vista, a abertura foi mais adequada.
Mas ao final, guardei belas e significativas mensagens da incansável e contagiante Ivete Sangalo, cantando de Gilberto Gil, “a paz como aquela grande explosão, de uma bomba sobre o Japão, fez nascer o Japão da paz”. Fiz uma leitura nesses versos de uma história contraditória onde, mesmo da destruição podem brotar, paradoxalmente, criação e harmonia. E a referência era naquele momento o Japão, a quem o Brasil estava passando os bastões da Olimpíada e da Paralimpíada. Com o inglês Callum Scott ela fez um trepidante dueto: “Vamos transformar cada segundo, no melhor de nós para todo o mundo”, fazendo pensar no que os paralímpicos tinham nos ofertado. E chegou com ela, a lembrança e a saudade de Clara Nunes, num sinal de esperança, nestes tempos imediatos de risco histórico: “Das ruínas um novo povo vai surgir e vai cantar afinal”. Aqui, felizmente, não temos ainda ruínas sobre o conquistado no processo histórico, pois o provisório é frágil e provavelmente não se sustentará, ao som reiterado de um Fora Temer.