tarcisioChega-me de Fortaleza a notícia da morte de Tarcísio Leitão,  homem raro. Pela bravura, pela coerência, pelo caráter de aço, pela coragem desassombrada, a mais difícil de todas,  a coragem moral  – seu apanágio – que espantava seus adversários e enchia de alegria os amigos.  Foi assim a vida toda, até ontem: forte, hígido, inabalável em suas convicções e vivendo na vida real, na vida prática, na vida profissional, no dia dia e nos grandes momentos, em estreita correspondência com  suas ideias: o ideólogo e o idealista, o político comunista, o advogado, o ser humano, o amigo eram todos uma só criatura. Essa coerência era uma forma de  proselitismo  e é o grande patrimônio que nos lega.
Lutou todas as boas lutas, lutas estudantis, lutas populares, lutas políticas e travou sempre o embate ideológico. Advogado, haveria de ser advogado  trabalhista, mas advogado e grande advogado apenas de trabalhadores. Conheceu a repressão como viveu: com destemor. Preso no centro da cidade, desdenhou das ameaças e, de pé no jipe em que era conduzido pelos militares, gritava ao povo denunciando a arbitrariedade.No quartel do 23º Batalhão de Caçadores, para onde todos os perseguidos foram levados nos primeiros dias da repressão, jamais se deixou abater. Destemido, mas sempre alegre, espargindo bom humor e ânimo. Desterrado em Fernando de Noronha, foi e voltou de cabeça erguida. Jamais baixou a crista,  jamais aceitou o papel de derrotado e sempre contemplou a História como uma promessa de futuras alegrias. Resistiu a todos os baques, à demolição de muros e mitos, de impérios e sonhos, sempre disposto a reconstruir as obras perdidas, a percorrer novas sendas a superar as dúvidas, a caminhar, um caminhar sem repouso sempre em procura do horizonte, repetindo sempre a sina/senha de Antonio Machado:  
Caminante, son tus huellas
el camino y nada más;
Caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace el camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante no hay camino
sino estelas en la mar.
Caminhante que perseguia a luz, não o assustava a tragédia biológica, que afinal ganhou a guerra. Deprimia-o, sim, no Brasil de hoje, e morreu triste, a batalha perdida contra a tragédia social.
Somos, para sempre, velhos amigos. 
Roberto Amaral