por: Mauro Santayana
Célebre por seus estudos sobre a França de Vichy, Robert Paxton dizia que o fascismo se caracteriza por uma sucessão de cinco momentos históricos:
a criação de seus movimentos; o aparelhamento do setor público; a conquista do poder legal; a conquista do Estado; e, finalmente, a radicalização dos fins e dos meios – incluída a violência política – por intermédio da guerra.
O fascismo de hoje se disfarça de “liberalismo” no plano político e de neoliberalismo no plano econômico.
Seu discurso e suas “guerras” podem ser dirigidos contra inimigos externos ou internos.
E sua verdadeira natureza não pode ser escondida por muito tempo quando multidões uniformizadas, quase sempre com cores e bandeiras nacionais, descobrem “líderes” dispostos a defender o racismo, a ditadura, o genocídio e a tortura.
Que, quase sempre, são falsa e artificialmente elevados à condição de deuses vingadores.
E passam a ter seus rostos exibidos em camisetas, faixas, cartazes, por uma turba tão cheirosa quanto ignara, irrascível e intolerante, que os exalta com os mesmos slogans, em todos os lugares.
Repetindo sempre os mesmos mantras anticomunistas toscos, “reformistas” e “moralistas”, contra a política e seus representantes – o “perigo vermelho”, a “corrupção” e os “maus costumes”.
Uma diatribe que lembra as mesmas velhas promessas e “doutrina” de apoio a outros “salvadores da pátria” do passado – que curiosamente costumam aparecer em momentos de “crise” aumentados intencionalmente pela mídia, ou até mesmo, a priori, fabricados – como Hitler, Mussolini, Salazar e Pinochet, entre muitos outros.
Não importa que as “bandeiras”, como a do combate à corrupção – curiosamente sempre presente no discurso de todos eles – sejam artificialmente exageradas.
Não importa que, hipocritamente, em outras nações, o que em alguns países se condena, seja institucionalizado, como nos EUA, por meio da regulamentação do lobby e do financiamento indireto, e bilionário, de políticos e partidos por grandes empresas.
Nem importa, afinal, que a Democracia, contraditoriamente, embora imperfeita, aparentemente – por espelhar os defeitos próprios a cada sociedade – ainda seja, para os liberais clássicos, o melhor regime para conduzir o destino das nações e o da Humanidade.
Como ensina Paxton, na maioria das vezes os grupos fascistas iniciais sobrevivem para uma segunda fase, quando, como movimentos ou ainda como mera tendência, discurso ou doutrina – muitas vezes ainda não oficialmente elaborada – passam a se infiltrar e impregnar setores do Estado.
Esse é o caso, por exemplo, de “nichos” nas forças de segurança, no Judiciário e no Ministério Público, que passam então, também, a prestar dedicada “colaboração” ao mesmo objetivo de “limpeza” e “purificação” da Pátria.
Com o decisivo apoio de uma imprensa – normalmente dominada por três ou quatro famílias conservadoras, milionárias, retrógradas, entreguistas – que atua como instrumento de “costura” e “unificação” do “todo”, por meio da pregação constante dos objetivos a serem alcançados e da permanente glorificação, direta ou indireta, do “líder” maior do processo.
Não por acaso, Mussolini e Hitler foram capa da Revista Time, o primeiro em 1923, o segundo em 1938, e de muitas outras publicações, em seus respectivos países, quando ainda estavam em ascensão.
Não por acaso, nas capas de jornais e revistas, principalmente as locais, eles foram precedidos por manchetes sensacionalistas e apocalípticos alertas sobre o caos, a destruição moral e o fracasso econômico.
Mesmo que em alguns países, por exemplo, a dívida pública (líquida e bruta) tenham diminuído desde 2002;
a economia tenha avançado da décima-quarta para a oitava posição do mundo;
a safra agrícola tenha duplicado;
o PIB tenha saído de 504 bilhões para mais de 2 trilhões de dólares;
e, apesar disso, tenha sido reunida, entre dinheiro pago em dívidas e aplicações em títulos externos, a quantia de 414 bilhões de dólares em reservas internacionais em pouco mais de 12 anos.
Da fabricação do consentimento que leva ao fascismo, e às terríveis consequências de sua imbecilidade ilógica e destrutiva, não faz parte apenas a exageração da perspectiva de crise.
É preciso atacar e sabotar grandes obras e meios de produção, aumentando o desemprego e a quebra de grandes e pequenas empresas, para criar, por meio do assassinato das expectativas, um clima de terror econômico que permita tatuar a marca da incompetência na testa daqueles que se quer derrubar e substituir no poder, no futuro.
Criando, no mesmo processo, “novas” e “inéditas” lideranças, mesmo que, do ponto de vista ideológico, o seu odor lembre o de carniça e o de naftalina.
Como se elas estivessem surgindo espontaneamente, do “coração do povo”, ou dos “homens de bem”, para livrar a nação da “crise” – muitas vezes por eles mesmos fabricada e “vitaminada” – e salvar o país.
Afinal, é sempre com a velha conversa de que irá “consertar” tudo, corrigindo a desagregação dos costumes e os erros da democracia, que sempre apresenta como irremediavelmente, amplamente, podre e corrompida até a raíz – como Hitler fez com a República de Weimar – que o fascismo justifica e executa seu projeto de conquista e de chegada ao poder.
É com a desculpa de purificar a pátria que o fascismo promulga e muda leis – muitas vezes ainda antes de se instalar plenamente no topo – distorcendo a legislação, deslocando o poder político do parlamento para outros setores do Estado e para “lideres” a princípio sem voto.
É por meio de iniciativas aparentemente “populares”, que ele desafia a Constituição e aumenta o poder jurídico-policial do Estado no sentido de eliminar, impedir, sufocar, o surgimento de qualquer tipo de oposição à sua vontade.
Para manter-se depois, de forma cada vez mais absoluta, no controle, por meio de amplo e implacável aparato repressivo dirigido contra qualquer um que a ele venha a oferecer resistência.
Aprimorando um discurso hipócrita e mentiroso que irá justificar a construção, durante alguns anos, de um nefasto castelo de cartas, do qual, no final do processo, sobrarão quase sempre apenas miséria, desgraça, destruição e morte.
É aí que está a imbecilidade ilógica do fascismo.
Tudo que eventualmente constrói, ele mesmo destrói.
Não houve sociedade fascista que tenha sobrevivido à manipulação, ao ódio e ao fanatismo de seus povos, ou ao ego, ambição, cegueira, loucura e profunda vaidade e distorção da realidade de “líderes” cujos sonhos de poder costumam transformar-se – infelizmente, depois de muito sangue derramado – no pó tóxico e envenenado que sobra das bombas, das granadas e das balas.