O empresário Laodse de Abreu Duarte, um dos diretores da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), é o maior devedor da União entre as pessoas físicas. Sua dívida é maior do que a dos governos da Bahia, de Pernambuco e de outros 16 Estados individualmente: R$ 6,9 bilhões. Laodse – que já foi condenado à prisão por crime contra a ordem tributária, mas recorreu – é um dos milhares de integrantes do cadastro da dívida ativa da União, que concentra débitos de difícil recuperação. Além de Laodse, aparecem no topo do ranking dos devedores pessoas físicas dois de seus irmãos: Luiz Lian e Luce Cleo, com dívidas superiores a R$ 6,6 bilhões.
No caso desses três irmãos, quase a totalidade do valor atribuído a cada um diz respeito a uma mesma dívida, já que eles eram gestores de um mesmo grupo empresarial familiar que está sendo cobrado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. A soma dos valores devidos por empresas e pessoas para o governo federal ultrapassou recentemente R$ 1 trilhão. São milhões de devedores, mas uma pequena elite domina o topo desse indesejável ranking: os 13,5 mil que devem mais de R$ 15 milhões são responsáveis, juntos, por uma dívida de R$ 812 bilhões aos cofres federais – mais de três quartos do total devido à União.
O débito desses maiores devedores representa cinco vezes o buraco total no Orçamento federal previsto para 2016. Nesse grupo – que exclui dívidas do estoque previdenciário, do FGTS e dos casos em que há suspensão da cobrança por determinação judicial – estão desde empresas quebradas, como a Varig e a Vasp, mas também motores do PIB nacional, como a Vale, a Carital Brasil (antiga Parmalat) e até a estatal Petrobrás. Mas como pessoas físicas chegam a dever tanto ao Fisco? A explicação é que os integrantes da família Abreu Duarte foram incluídos como corresponsáveis em um processo tributário que envolveu uma de suas empresas, a Duagro – que deve, no total, R$ 6,84 bilhões ao governo.
Segundo a Fazenda, a empresa realizou supostas operações de compra e venda de títulos da Argentina e dos Estados Unidos sem pagar os devidos tributos entre 1999 e 2002. Denúncia do Ministério Público apontou que a Duagro “fraudou a fiscalização tributária.” Para o MP, há dúvida sobre a real existência dos títulos negociados, já que alguns não foram lançados nas datas registradas na contabilidade.
A Procuradoria suspeita que a empresa tenha servido como “laranja” em “um esquema de sonegação ainda maior, envolvendo dezenas de outras renomadas e grandes empresas, cujo valor somente poderá vir a ser recuperado, em tese, se houver um grande estudo do núcleo central do esquema”. Segundo o site da Fiesp, Laodse é um dos atuais 86 diretores da entidade, sem especificação.
Ele também integra o Conselho Superior do Agronegócio da federação e preside o Sindicato da Indústria de Óleos Vegetais e seus derivados em São Paulo. Offshore. Um quarto irmão de Laodse aparece na lista de devedores da União com débitos de R$ 3 milhões e também é dono de offshore em paraíso fiscal, segundo os Panamá Papers. Lívio Canuto de Abreu Duarte foi sócio da Oil Midwest LTD, empresa registrada nas Ilhas Virgens Britânicas pela firma panamenha Mossack Fonseca.
Laodse foi citado em casos do mensalão e do Banestado
Além do título da pessoa física com mais débitos com a União, o empresário Laodse de Abreu Duarte aparece em escândalos de repercussão nacional. Um dos inquéritos sobre o esquema do mensalão indica que o esquema montado pelo empresário Marcos Valério de Souza fez sete pagamentos a uma empresa de comércio e exportação de grãos ligada a Abreu Duarte. Em 2003, o empresário foi condenado a cinco anos de prisão – pena que foi posteriormente convertida a prisão domiciliar – após ser acusado pelo Ministério Público de participar de suposto esquema de falsificação de operações de exportação de soja, com valor superior a US$ 60 milhões.
Laodse também foi indiciado pela CPI do Banestado, em 2004. Em 2006, o Ministério da Justiça pediu aos Estados Unidos colaboração para investigar a suspeita de lavagem de dinheiro e crimes financeiros envolvendo o empresário, João Francisco Daniel (irmão do ex-prefeito de Santo André Celso Daniel) e Geraldo Rondon da Rocha Azevedo. O inquérito foi arquivado em 2010.
Firma ‘nunca se prestou’ a sonegação, diz empresário – Procurado pela reportagem, o empresário Laodse de Abreu Duarte informou, por e-mail, que sua condenação por crime contra a ordem tributária ainda não foi julgada em segunda instância, “o que torna precipitado qualquer conclusão ou juízo”. Ele disse ainda que a Duagro “nunca se prestou” ao suposto esquema de sonegação fiscal descrito pela Procuradoria. O empresário afirmou também não ter nenhum tipo de ligação com os casos do mensalão e do Banestado. “Não mantive relação comercial ou pessoal com os mencionados e não respondo a processo ou procedimentos que tenham ligações ou relacionados a estes”, escreveu. Ele negou ainda ter “relação de qualquer espécie” com João Francisco Daniel e Geraldo Rondon da Rocha Azevedo e disse que o Judiciário ainda analisa recurso à sua condenação pelas operações de exportação de soja.
O advogado Fabrício Henrique de Souza, que representa a família, informou que as dívidas que aparecem no nome dos três irmãos resultam de “questionamentos da Receita Federal por operações mercantis realizadas” e que elas ainda estão sendo questionadas judicialmente. Já o advogado de Lívio Canuto de Abreu Duarte, Ademir Sica, disse que as cobranças da União são indevidas, já que Lívio saiu da direção das empresas familiares em 1997. Ele não quis comentar sobre a existência da offshore e desconhecia se ela foi declarada às autoridades brasileiras. Procurada, a Fiesp não se pronunciou.