Já ficou comprovado, no próprio processo de “impeachment”, que os motivos do afastamento da Presidenta nada tem a ver com “crime de responsabilidade”. Eles estão vinculados aos grandes movimentos políticos -colocados nas ruas a partir de julho de 2013- motivados pela luta contra a corrupção, glamorizados e orientados pela grande mídia. Está claro, igualmente, que as famosas “pedaladas” foram apenas um arranjo jurídico aventureiro, para simular uma deposição “legal” do Governo eleito. Pela fotografia do Ministério, montado pelo Presidente interino, também ficou claro que a inspiração da derrubada do Governo, pelo motivo da corrupção, já está está profundamente prejudicada. Não estou acusando pessoalmente -para os efeitos deste artigo- nenhum membro do Governo atual de corrupto, mas afirmo que o senso comum (produzido pela própria mídia golpista a respeito do assunto), já começa a produzir, inclusive nos setores que apoiavam o impedimento de Dilma, uma brutal sensação de frustração.
Dois outros fatos começam a adquirir, rapidamente, relevância política. Primeiro, a importância cada vez mais publicamente evidente de Eduardo Cunha na articulação golpista, que só não foi preso pelas circunstâncias políticas que vive o país, onde os Tribunais estão tratando de forma desigual os investigados que são “governistas” e os investigados “golpistas”. Segundo, está ficando cada vez mais clara, a falsidade da alegação de que a Presidenta não tinha condições de governar, porque se recusava a promover um “ajuste” para economia deslanchar. As futuras ações anunciadas por Meirelles-Jucá, redução de 4.000 cargos de confiança (que tem zero de importância), Reforma da Previdência, viabilização da CPMF, reestruturação da dívida dos Estados -principalmente- são medidas que já vinham sendo tentadas pela Presidente Dilma, sem sucesso, com obstrução de grande parte da sua própria base, que mudou rapidamente de lado.
Por quais motivos, então, a Presidenta Dilma foi afastada e o que diferencia, efetivamente, o campo político de esquerda, que sustentava o Governo Dilma daquele campo que agora chegou ao poder, sem votos? É importante ressaltar que os nomes mais importantes do atual Governo -Romero Jucá, Blairo Maggi, Henrique Meirelles, Moreira Franco, Padilha e Temer, entre outros- foram quadros que tiveram importância nos Governos Lula e nos Governo Dilma, o que pode demonstrar que os “remédios” que o interino pretende para economia -com os quais eu divirjo como já divergia no próprio Governo Dilma- não são tão estranhos aos que a Presidenta vinha encaminhando antes do seu afastamento, no âmbito de uma pesada crise fiscal do Estado. Em algum lugar, algo esteve muito errado no nosso projeto, para que os defeitos dos nossos governos permitissem que as suas virtudes fossem sobrepujadas.
O Ministro Meirelles, no meio de uma entrevista, deu uma pista importante do que deve guiar o Governo atual, ao dizer que o problema mais urgente a ser tratado, é equacionar a questão da dívida pública. Equacioná-la, para recuperar a “confiança” dos nosso financiadores e dos investidores, ou seja, mostrar -como nos velhos tempos de Lula- que o Brasil é “solvente”. E que os nossos primeiros compromissos são com os nossos credores. Digo isso, sem fazer qualquer caricatura, porque este é o ponto de partida econômico, liberal-capitalista, do qual decorre um conjunto de políticas relacionadas com o desenvolvimento econômico e social do país. Para esta visão, já que o preço das “commodities” não mais colaboram para financiar o Estado, perdem importância os programas de inclusão e coesão social e, consequentemente, a mesa da democracia se vê profundamente afetada. Aumenta, assim, a ilegitimidade do poder político, que passa a governar para dívida, não para produção, o emprego e a sociedade. O “pato” da Fiesp, come o milho do seu próprio dono e o Governo sem votos, mesmo com apoio da mídia, terá enormes dificuldades para governar.
Os grandes méritos dos governos Lula não foram, seguramente, mudanças estruturais no modelo de desenvolvimento liberal-capitalista, autorizado pelo império do capital financeiro em escala mundial, que vem sequestrando a autonomia do Estados Democráticos. Seus méritos estiveram ancorados na questão democrática, incorporando na mesa de diálogo político e social do país, setores para os quais o Estado não existia, senão como Estado-polícia. Isso foi feito através dos Programas destinados à Agricultura Familiar e à Cooperação, o Prouni, Pronatec, Bolsa-família, Escolas Técnicas, novas Universidades Federais, aumentos reais do Salário Mínimo e das aposentadorias, reestruturação do financiamento da Pequena e Média Empresa e vários outros programas de capilaridade social, para famílias de baixa renda. O modelo rentista, porém, permaneceu intocado: não foi aprovada a CPMF, não foram taxadas as grandes fortunas, as grandes heranças, os ganhos do capital de forma significativa, nem foram desoneradas as camadas médias que pagam alto Imposto de Renda, nem aumentadas as alíquotas deste imposto para os bilionários. O fato do Estado continuar sendo financiado, predominantemente, pela dívida, é que agora cobra a sua coerência dramática, pois, para que os seus credores fiquem tranquilos, os gastos com saúde, educação e inclusão é que devem ser minimizados.