por: RENATO JANINE RIBEIRO

No momento em que escrevo, estou a poucas horas do provável afastamento da presidente Dilma Rousseff de seu cargo para um julgamento que ocorrerá em até 180 dias. Haverá uma mudança radical nos quadros do Poder Executivo. Serão trocados todos os ministros, os secretários-executivos, quase todos os secretários e diretores, pelo menos.

Essa troca, ao contrário do que acontece quando um governo é substituído após uma derrota eleitoral, será traumática, como traumático é o afastamento presidencial.

E não se compare com o caso Fernando Collor. O ex-presidente conquistou o poder quase sozinho, tinha um partido pequeno que mudou de nome durante a própria campanha. Na votação do processo de impeachment na Câmara, Collor só teve 38 votos a seu favor.

Já Dilma vem de um dos maiores partidos brasileiros, com tradição de lutas, um dos poucos a ter ideologia. Mesmo sendo derrotada na Câmara por 70% dos votos, ainda teve 137 que a defenderam.

Uma centena a mais do que Collor. A hashtag #naovaitergolpe não se confirmou na realidade, mas certamente #vaiterluta.

Quais as consequências imediatas? Do lado do novo governo, temos um ministério de baixo impacto, no qual parecem se sobressair só Henrique Meirelles e José Serra. Não se escolheu um ministério de notáveis.

Michel Temer poderia escolher a firmeza; poderia dizer que seu compromisso é com o Brasil, não com os partidos; poderia ter imposto ao Congresso um ministério “de técnicos”, que agradaria à população mesmo incomodando os políticos; poderia ter explicado a estes que seria essa a melhor fórmula para conquistar confiança e recuperar a economia. Seria uma via difícil, mas que consagraria seu nome. Preferiu a via mais fácil, que é a do loteamento partidário. Alguns nomes até causaram forte reação desfavorável.

Temer tem um prazo. As primeiras semanas podem causar certa euforia. Ele dialoga e articula mais que Dilma, beneficia-se do voto de confiança das classes conservadoras (ressuscito uma expressão tão antiga quanto classes produtoras, ambas designando o capital). Mas a ficha vai cair.

Dilma perdeu oportunidades, dialogou pouco, fidelizou pouco – tanto que alguns de seus ministros foram para o colo do inimigo.

Acontece, todavia, que os problemas brasileiros são bem mais profundos. Retomar o crescimento econômico depois que acabou o boom das commodities não é trivial. Manter e retomar a inclusão social é prioritário. Fazer tudo isso direito, para que não haja mais Marianas, é difícil demais. E tudo isso será cobrado.

Passada a bolha de confiança, é possível que a crise se acirre. Parece que, para a economia decolar, haverá ainda mais perda do poder de compra. Por um tempo, dirão os defensores do novo governo.

No entanto, caso esse tempo se alongue ou a economia não se aprume, as críticas à legitimidade do governo Temer aumentarão. Por isso, seus apoiadores vão acelerar o processo de Dilma no Senado. Não querem conviver seis meses com a possibilidade de que ela volte.

Num cenário em que o novo governo vai aumentar impostos ou cortar investimentos sociais (e provavelmente as duas coisas), o risco de Dilma retornar à Presidência será uma ameaça constante.

Sendo Dilma condenada às pressas, o descontentamento social poderá crescer. A sensação de que o resultado das urnas foi virado no tapetão colocará gasolina nos movimentos sociais e na esquerda.

Teria sido melhor todos dialogarem. Dilma errou, a oposição errou. Agora é tarde. Nuvens negras, como negro véu, encobrem nossos céus.

RENATO JANINE RIBEIRO é professor titular de ética e filosofia política da USP. Foi ministro da Educação em 2015 (governo Dilma)