A Constituição federal de 1988 definiu o Ministério Público como instituição essencial ao regime democrático, que lhe cumpre defender, porque na Democracia abre-se pleno espaço ao exercício dos direitos individuais e comunitários.
Instituição que é, seus membros – promotoras e promotores, procuradoras e procuradores – devem ter bem presente que o trabalho institucional não condiz com arroubos espetaculares, protagonismos em demasia, exaltações midiáticas e prejulgamentos.
Se a imprensa, no papel que assume de difundir o furo jornalístico, o estrépito posto em manchete, adota meios condizentes a esse propósito, todavia o compromisso institucional dos membros do Ministério Público orienta para o saber assumir o controle da situação: conduzir, não se deixar conduzir. Prestar, sim, contas à sociedade do desempenho de sua missão constitucional, mas sempre, e quando, tenha formado sua convicção serena, fundada e objetiva, afastando-se do emitir juízos meramente opinativos, vale dizer, advindos e carregados de ilações puramente noticiosas.
A propósito, não se pode, em primeiro lugar, confundir figuras processuais absolutamente distintas: a testemunha, o indiciado, o réu. O que é lícito aplicar a um é ilícito aplicar a outro. Todos, porém, sob a proteção da lei e mediante o devido processo legal adequado a cada hipótese e situação.
Lembre-se, ainda, que não existe a figura equivocadamente chamada de “investigado”. O que legitimamente se investiga é o fato; não, a pessoa. Se para leigos e a mídia pouco informada é compreensível a confusão, isso porém é inaceitável para um magistrado ou membro do Ministério Público. Escolher um suposto “criminoso” e a partir daí ”investigá-lo” e constrangê-lo para descobrir supostos crimes é inverter a lógica legal e afrontar princípios fundamentais do Direito Processual e Penal. É puro arbítrio, que a ordem jurídica condena e sanciona.
Condução coercitiva e prisão preventiva igualmente não se confundem.
Não se nega a existência do instrumento da chamada condução coercitiva. É cabível, porém, exclusivamente quanto à testemunha recalcitrante; isto é, a que, tendo sido regularmente intimada a prestar depoimento na forma e nas hipóteses legalmente previstas, tenha se recusado injustificadamente a atender à convocação.
Quanto à prisão, é cabível unicamente para o réu ou o indiciado, e não, para a testemunha.
O manejar a restrição preventiva à liberdade em quadro de provisoriedade – quando as instâncias de conhecimento e recursal ordinária não tenham positivado o juízo de condenação – pede cautela.
A cautela se expressa na resposta clara às três indagações processuais para isso autorizar: há risco de fuga do indiciado ou do acusado? Ele tem a seu dispor o prejudicar a apuração dos fatos porque é capaz de coagir testemunhas, destruir provas? A conduta, em apuração é de grave comprometimento da paz social?
Por certo que as respostas, se positivas, a essas indagações não se sustentam caso signifiquem conclusões abstratas, de “viés profético”, ou de “puro achismo”.
O utilizar-se, inapropriadamente, de qualquer desses instrumentos jurídicos a compelir testemunha, indiciado ou réu a prestar depoimento à margem do devido processo legal é de todo inadmissível. Impõe-se destacar, aliás, que o texto constitucional é claríssimo no garantir o princípio de que “ninguém pode ser obrigado a se auto-acusar”, inclusive propiciando estardalhaço no cumprimento da medida. Efetivamente isso não aproveita em nada a um processo válido; antes mancha a verdade institucional do Ministério Público.
Em síntese, procedimentos assim afrontosos à ordem constitucional ou legal sequer podem ser tidos como condução coercitiva ou prisão cautelar. Que o diga o juízo isento e competente para isso.
Que a atuação do Ministério Público contra a corrupção prossiga validamente, instaurando-se e ampliando-se os procedimentos legítimos e necessários e conduzidos de modo exemplar e amplo, sem seletividades, vieses ou desvios. É o que a lei impõe e a sociedade exige, para que não se convertam em meros instrumentos de perseguição, sensacionalismo e facciosismo nos chamados espaços e horários “nobres” da mídia.
Os que subscrevem este texto dedicaram, senão sua vida funcional toda, mas grande parte dela ao Ministério Público, e o fizeram em momentos decisivos de sua história.
Como não nos calamos antes, não podemos nos calar agora, porque o que nos move é propiciar reflexão madura e serena sobre os acontecimentos presentes na sociedade brasileira.
Jamais as soluções arbitrárias e ditatoriais, sempre o debate franco, respeitoso e claro: só assim aprendemos e vivemos Democracia.
Cláudio Lemos Fonteles – Ex-Procurador-Geral da República
Alvaro Augusto Ribeiro Costa – Ex-Presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República