por: Dalmo de Abreu Dallari

Existe no Parlamento brasileiro uma bancada que, com toda a propriedade, deve ser referida como “bancada paralamentar”, pois tem sido useira e vezeira em demonstrações do mais absoluto desprezo à Constituição, à moralidade pública e aos interesses legítimos do povo brasileiro. Querendo impor sua vontade e mesmo depois de legalmente derrotada, essa bancada, cujo manipulador mais evidente é o atual Presidente da Câmara de Deputados, Eduardo Cunha, manobra sem qualquer escrúpulo. Usando de artifícios grosseiros, que não ocultam nem conseguem disfarçar a imoralidade, volta à carga, impõe uma nova votação da matéria em que foi derrotada e, agredindo a legalidade, faz uma revotação afrontosa da Constituição. Por meios subterrâneos a liderança dos inconformados amplia o número de paralamentares aderentes à ilegalidade e assim consegue a vitória, obtendo a falsa aprovação da proposta que tinha sido derrotada. Essa aparente aprovação é falsa, porque não tem valor legal.

Isso, que já havia sido feito em votação anterior, acaba de ocorrer novamente, na votação da PEC (Proposta da Emenda Constitucional) nº 171/93, que tem por objetivo afrontar uma cláusula pétrea da Constituição, diminuindo a idade de imputação penal, ou seja, reduzindo de 18 para 16 anos a idade em que um jovem pode ser enquadrado na legislação penal como um criminoso, recebendo o mesmo tratamento e sujeito às mesmas penalidades aplicáveis aos maiores de idade que cometerem crimes. E isso com a possibilidade de serem condenados à pena de prisão e colocados em presídios superlotados, convivendo, na mesma cela, com criminosos contumazes, membros de quadrilhas e com grande poder de coação sobre os jovens para forçá-los a integrar uma quadrilha e para usá-los em futuras ações criminosas.

A PEC que acaba de ser falsamente aprovada foi rejeitada dois dias antes. Nos termos expressos do artigo 60, parágrafo 5º, da Constituição, “a matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa”. Os termos dessa proibição constitucional são absolutamente claros e, obviamente, a sessão legislativa de ontem era a mesma de dois dias atrás. Isso tem sido afirmado e reafirmado por eminentes juristas consultados pela imprensa. A tentativa de defesa dos fraudadores é a alegação de que a proposta agora aprovada não era inteiramente igual à anteriormente rejeitada, porque alguns dispositivos da proposta anterior tinham sido eliminados. Mas o que não podem nem tentam negar é que a parte agora aprovada já constava da proposta rejeitada, tendo havido, portanto, a revotação dessa matéria dois dias depois de sua rejeição.

Para obter a aprovação, apesar da evidente inconstitucionalidade, o Presidente da Câmara de Deputados agiu nos subterrâneos do Parlamento e conseguiu que alguns deputados mudassem de posição. Votaram antes pela rejeição da proposta e dois dias depois votaram por sua aprovação. Um ponto que ficou oculto nos subterrâneos das negociações é o verdadeiro motivo da mudança de posição desses deputados. Entre os críticos dessa absurda e injustificável mudança de posição existe a convicção de que o Presidente Eduardo Cunha deve ter usado argumentos muito ricos e os paralamentares que aderiram à manobra não resistiram à riqueza dos argumentos.

Tem-se agora a informação de que várias entidades que atuam na área jurídica e que são verdadeiramente comprometidas com o respeito e a aplicação dos preceitos constitucionais, entre eles a Ordem dos Advogados, vão pedir ao Supremo Tribunal Federal que reconheça a inconstitucionalidade dessa imoral e atrevida aprovação, declarando a nulidade da votação efetuada com evidente desrespeito à vedação constitucional. Com toda a certeza a egrégia Suprema Corte decidirá em tal sentido, no desempenho de sua mais relevante função que é, nos termos expressos do artigo 102 da Carta Magna, a guarda da Constituição. Mas, a par disso, é absolutamente necessário que seja amplamente divulgada essa atrevida manobra da bancada de paralamentares, para que a cidadania não dê a condição legal de seus representantes a quem utiliza o mandato popular para a satisfação de seus caprichos e interesses, com absoluto desrespeito à Constituição.

Fonte: Jornal do Brasil