por: André Singer
Sob o cerco das três frentes – economia, Petrobras e presidência da Câmara – que ameaçam os avanços da última década, o semestre chega ao fim com preocupante saldo de perdas sociais, graves denúncias de corrupção e retrocessos legislativos. Ao aprovar anteontem de madrugada a redução da maioridade penal, em nova manobra suspeita, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) produziu acorde final digno dos movimentos que se ouviram nos meses anteriores.
Caberá ao Senado, no próximo período, o protagonismo de avaliar as três medidas polêmicas preparadas por Cunha. Refiro-me à terceirização das atividades fins, à constitucionalização das doações empresariais aos partidos, e à já referida alteração na idade mínima para o encarceramento. Com certeza, Renan Calheiros, à frente da Casa revisora, fará uso do espaço na mídia que lhe cabe, mas se o ambiente social permanecer como o de hoje, não se deve esperar mudanças substantivas.
Neste ponto, a ousadia oposicionista de Cunha, fonte da unidade construída entre deputados tucanos e peemedebistas, se entrelaça com a profunda crise que atinge o governo e o PT. Tendo perdido apoio da própria base em função da condução econômica, Lula, Dilma e o Partido dos Trabalhadores deixaram órfãos os setores da sociedade comprometidos com a agenda progressista. Nesta hora se percebe o quanto, apesar de todas as contradições, o lulismo oferecia uma direção capaz de organizar maiorias.
Sem ela, a articulação entre PMDB e PSDB, muito bem urdida por Cunha, e que esteve na base das três propostas aprovadas, ameaça tornar-se hegemônica. De maneira quase infantil, o lulismo caiu na besteira de cometer estelionato eleitoral e agora, a cada aumento do desemprego e queda da renda, vê aumentar o isolamento em que se meteu. Diante do custo a longo prazo, ter perdido a eleição de 2014 seria prejuízo menor.
Tem mais. A incapacidade de responder às acusações que emergem da Operação Lava Jato ameaça manchar o petismo por tempo indefinido. Conscientes da gravidade do quadro, inúmeros movimentos e partidos buscam formar frente ampla, de modo a suprir a ausência de alternativas à esquerda. Não se trata, como acusa a direita, de esconder o PT, mas de oferecer saídas que o PT, de maneira isolada, não pode apresentar.
O ex-governador Leonel Brizola gostava de dizer que ter ou não ter programa era o de menos. Bastava encomendar a algum intelectual e chegaria pelo correio. Para a frente que está em gestação vale o contrário. Se não conseguir formular alternativa viável e que dialogue com a população, a virada conservadora, que ainda não se deu, mas está anunciada na liderança de Cunha, vai se consolidar.