Claudio Lembo afirma que país tem ‘carga profunda de fascismo em sua índole’. Advogado Lavenère lamenta oportunidade perdida de estabelecer um marco regulatório da mídia ‘por medo de mexer no império’

Roberto Amaral e Cláudio Lembo se encontram em debate na sede do Sindicato dos Engenheiros de SP

Roberto Amaral e Cláudio Lembo se encontram em debate na sede do Sindicato dos Engenheiros de SP

São Paulo – O ex-presidente do PSB Roberto Amaral, que se desentendeu com o partido durante as eleições presidenciais do ano passado, disse ontem (23) à noite, durante debate, que um grupo está organizando a criação de uma “frente nacional popular”, tendo o movimento social como base. Foi um dos vários itens da discussão, que teve como ponto de partida as possíveis ameaças à democracia brasileira. Para o ex-governador Cláudio Lembo, por exemplo, a crise atual tem como raiz uma histórica reação a qualquer avanço dos movimentos sociais. “O Brasil tem uma carga profunda de fascismo em sua índole”, afirmou. Segundo ele, a eleição de 2014, difícil e complexa, “fez com que o velho fascismo viesse à tona com extrema violência”.

Sem dar nomes, Lembo ironizou setores da oposição. “Esses meninos que perderam para a doutora Dilma estão profundamente raivosos”, afirmou. Mais tarde, novamente sem nominar, citaria o “menino do Rio”, que, nervoso, falou “coisas de Ipanema e não do Brasil”. O político e professor acredita que não há mais possibilidade de impeachment (“Passou a moda”) e vê a democracia consolidada, sem risco institucional – especialmente partindo dos militares. “Eles foram humilhados pela burguesia brasileira.”

Ao afirmar que “as coisas estão se acalmando”, o ex-governador acrescentou que atualmente apenas uma “ditadura” o preocupa: a da toga. “Tem prisão neste país que nem o DOI-Codi fazia”, disse Lembo.

Para Roberto Amaral, não há golpe “no sentido clássico”, mas o país vive uma situação de “parlamentarismo branco”, tendo à frente os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o vice-presidente da República, Michel Temer, como poder moderador. Segundo ele, a situação não vai melhorar “se não corrigirmos os erros que estão ocorrendo, se continuarmos nossa anomia (desorganização) e se os partidos de esquerda continuarem atônitos”. Isso inclui, acrescentou, uma “revisão ética”.

O primeiro passo para a formação dessa frente será a constituição de um observatório social, segundo o ex-dirigente do PSB. As premissas desse grupo serão a defesa da democracia e da soberania, o combate à desigualdade e o apoio a temas de interesse dos trabalhadores.

O advogado Marcello Lavenère vê um momento de dissidência entre os poderes e de ameaça de retrocesso, citando o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha. Também lamentou a falta de um marco regulatório da comunicação. “A desqualificação da instituição política pela mídia é ideológica, intencional. Perdemos a chance (de fazer a regulação) por medo de tocar nesse império.”

Financiamento
Representante de uma coalizão que reúne 120 organizações civis, Lavenère defende uma reforma política que acabe com o financiamento de pessoas jurídicas em campanhas. “O poder econômico define quem está na Câmara”, afirmou. Pela proposta desse grupo, poderia existir um financiamento feito por pessoas físicas, até o limite de um salário mínimo e de 40% do financiamento público a que o partido tiver direito. O sistema proporcional seria mantido, em dois turnos, com lista pré-ordenada. Haveria ainda paridade de gêneros e maior participação da população, por meio do artigo 14 da Constituição, que teria, segundo o advogado “regulamentação mais acessível e flexível” – esse artigo trata da “soberania popular”, por meio de votação, plebiscitos e referendos.

Lembo se manifestou pelo fim da reeleição (“Foi uma tragédia para o país”) e criticou os chamados marqueteiros. “São deformadores da realidade e da democracia.”

“Acabar com o financiamento empresarial é básico”, defende a historiadora Selma Rocha, diretora da Escola Nacional de Formação do PT. Para ela, a crise atual tem menos a ver com a corrupção e mais com a ocupação do Estado no Brasil. Há uma tentativa, diz, de desqualificar a ação dos setores progressistas, alimentando a ideia de que a esquerda é incapaz de promover equilíbrio entre direitos sociais, civis, e políticos. Ela também defende alternativas para buscar mais aproximação com os jovens. “Por mais que os partidos façam, é preciso que pensemos em organizações sociais capazes de agregar a juventude.”

O debate foi realizado na sede do Sindicato dos Engenheiros de São Paulo, na região central da cidade. Na plateia, entre outros, estavam o presidente nacional do PT, Rui Falcão (que saiu antes do término do evento, encerrado às 23h), o presidente do PCdoB na cidade de São Paulo, Jamil Murad, o presidente da Comissão Justiça e Paz (da Arquidiocese de São Paulo), Antonio Funari Filho, o jornalista e advogado Joaquim Palhares, editor do portal Carta Maior, o jornalista Bernardo Kucinski, o historiador José Luiz Del Roio e a jornalista Maria Inês Nassif.