A frustração da direita nacional e do mercado internacional traz perspectivas positivas para a América do Sul. Por Kjeld Jakobsen, do GR-RI
Por Kjeld Jakobsen
A reeleição de Dilma Rousseff como presidente do Brasil no dia 26 de outubro não significou apenas a derrota dos “rentistas”, da mídia e dos conservadores nacionais em geral que disseminaram uma sórdida campanha de ódio contra o PT e o governo, como foi também a derrota daqueles que no exterior apostavam no retorno das políticas de “Estado Mínimo”, privatizações e flexibilização dos direitos trabalhistas. O “mercado internacional” torcia pela vitória dos que defendiam na campanha a inserção brasileira nas cadeias produtivas internacionais, isto é, a subordinação da nossa economia aos interesses das empresas multinacionais cuja maioria tem sede nos EUA, União Europeia e Japão, implicando no plano imediato em mais abertura comercial, políticas de austeridade, proteção aos investidores, entre outras mazelas neoliberais.
No entanto, a frustração da direita, tanto nacional quanto internacional diante do resultado eleitoral, traça perspectivas positivas para o Brasil e para a política externa (PEB) do novo governo, além de contribuir para a continuidade das políticas alternativas ao neoliberalismo na América Latina. Ao longo do primeiro mandato da presidenta Dilma houve quem criticasse sua política externa em comparação com a PEB desenvolvida durante os dois mandatos do presidente Lula. Não é uma crítica justa, pois Lula ao resgatar o melhor da tradição da PEB, que é sua independência e autonomia, e adotar uma série de iniciativas no campo das relações internacionais, proporcionou a Dilma uma herança bendita, sem que ela precisasse repetir o mesmo pioneirismo e desempenho.
Ela, por sua vez, manteve esta tradição e deu continuidade às políticas anteriores, particularmente as relações Sul – Sul, a integração continental e a demanda por reformas no sistema internacional, além de ter fortalecido algumas coalizões internacionais das quais o Brasil participa, como a Unasul, Celac e os BRICS. Particularmente, a Sexta Cúpula deste último, realizada no mês de julho em Fortaleza, foi marcante por ter aprovado a criação de um Banco de Desenvolvimento e o Arranjo de Reservas de Contingência.
Da mesma forma, foi ela quem denunciou o “derrame” de moedas fortes dos países centrais em prejuízo à estabilidade monetária dos países em desenvolvimento e a espionagem do governo americano sobre o governo e empresas brasileiras e propondo o estabelecimento de um “Marco Civil Internacional da Internet”. Dilma não vacilou em suspender a visita oficial que faria aos EUA enquanto não houvesse uma justificativa e desculpa formal do governo americano sobre o episódio.
Foi o apoio decisivo da presidenta que assegurou o ingresso da Venezuela como membro permanente do Mercosul e a perspectiva de ampliar o bloco com novos membros. A diplomacia brasileira também conduziu com louvor as discussões e a resolução da Conferência “Rio + 20” sobre o Desenvolvimento Sustentável em 2012 e um de seus resultados representa um importante desafio para o segundo mandato de Dilma, a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) após 2015. Outro desafio é o de dar continuidade a uma PEB coerente com a transição do sistema internacional unipolar para a multipolaridade de modo a assegurar os interesses nacionais e dos demais países em desenvolvimento para que tenhamos um mundo mais equilibrado e justo.
Entretanto, esta transição não é tranquila conforme demonstram a crise econômica mundial e os conflitos regionais, sinônimos da resistência dos países centrais a mudanças que reduzam o seu poder. Assim, há uma agenda relevante para o governo de Dilma Rousseff durante seu próximo mandato, particularmente o fortalecimento das relações Sul – Sul por meio de uma política de integração mais incisiva na América do Sul e de coalizões cada vez mais consistentes no plano global, sem falar das negociações climáticas que estão atingindo um momento crítico com o vencimento do Protocolo de Quito.
O avanço da integração continental, além da perspectiva de ingresso de novos membros em caráter permanente, como a Bolívia e o Equador, também depende da aceleração de obras de infra-estrutura, da formulação de cadeias produtivas regionais, da criação do Banco do Sul e da implementação da agenda social do Mercosul aprovada em 2010. A Unasul e a Celac tendem a ganhar cada vez maior relevância como arcabouço político para as iniciativas de desenvolvimento autônomo para a América do Sul, América Latina e Caribe, e o Brasil joga um papel fundamental para viabilizá-lo.
No caso dos BRICS, além de colocar as decisões de Fortaleza em funcionamento o mais breve possível, sua presença no cenário internacional para conter a agressividade dos EUA e seus aliados, é cada vez mais relevante. Para tanto, o Brasil com sua tradição pacífica, necessita se preparar para exercer maior influência positiva nos conflitos em regiões sensíveis como o Oriente Médio e África.
Neste segundo mandato de Dilma, caberia também reforçar as relações bilaterais tradicionais do Brasil, bem como daquelas estabelecidas a partir de 2003 e consolidar a estrutura e os recursos humanos das embaixadas e consulados abertos neste mesmo período. É de se esperar que 2015 seja um ano de contenção do orçamento da União como é usual em início de governo. Porém, cabe lembrar que o investimento em relações internacionais tem retorno doméstico no médio prazo e assim caberia poupar, pelo menos, o Itamaraty de novo contingenciamento de recursos.
Por fim, esta agenda será melhor contemplada se contar com a participação da sociedade na sua elaboração de modo que a PEB cada vez mais esteja afinada com os interesses domésticos brasileiros. É o momento de dar continuidade à discussão da criação de um Conselho de Política Externa Brasileira (CONPEB) – proposta, inclusive, apoiada por Dilma Rousseff em seu programa de governo.
*Kjeld Jakobsen é integrante da Fundação Perseu Abramo/FPA e do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais/GR-RI.