Paulo Moreira Leite entrevista Wanderley Guilherme dos Santos

PERGUNTA — Após a quarta vitória consecutiva do PT numa eleição presidencial, um fato inédito em nossa história, qual deveria ser a prioridade do governo Dilma a partir de agora?

As prioridades do governo devem incluir avanços na preocupação social, com a consolidação das leis sociais, por exemplo, e uma revisão da estrutura tributária tornando-a menos regressiva. Não acredito na visão de que projetos mais ousados — como um imposto sobre grandes fortunas — não seriam recomendáveis face ao resultado das eleições. Creio que podem muito bem servir de reanimação ao eleitorado progressista, reduzindo a abstenção e os votos nulos e brancos em próximas eleições.

PERGUNTA — O que também poderia ser feito?

Uma revisão profunda da máquina burocrática é absolutamente indispensável, tanto pela investigação do que existe de desperdício pela via da corrupção quanto pela via da ineficiência, uma das raízes, aliás, dos convites à corrupção. Simultaneamente, será obrigatório o desenho de medidas que protejam a economia brasileira da grave crise internacional, o que implica em coordenar esforços públicos e privados. O diálogo com os representantes dos setores do sistema econômico é inevitável. E no mesmo espírito de formação de consensos operacionais, impõe-se uma discussão para viabilizar a democratização dos meios de comunicação.

PERGUNTA — Por que não é possível adiar a democratização dos meios de comunicação?

Enquanto a sociedade se torna mais pluralista, como as eleições demonstram, os meios de comunicação se concentram e se mostram obstáculos à formação de consensos operacionais, tentando introduzir linhas de conflito inegociáveis entre grupos e segmentos sociais e econômicos. Não é possível governar democraticamente uma sociedade com uma imprensa amordaçada por interesses oligárquicos como é o caso brasileiro. É crucial produzir a liberdade de imprensa do mundo moderno, até hoje ausente do país que se moderniza em outras dimensões.

PERGUNTA — A oposição diz que o país saiu “dividido” das eleições.

O Brasil saiu dividido depois das eleições entre vitoriosos e perdedores, como é costume em democracias. A geografia heterogênea das votações dificulta afirmar a existência de outros eixos de divisão. Com certeza, segmentos de eleitores beneficiados por políticas de governo tendem a votar em seus candidatos. Os governos do Partido dos Trabalhadores têm dado prioridade à descentralização econômica e à distribuição de renda. É natural que seja alta a probabilidade de que tenha obtido mais votos em áreas territoriais e econômicas beneficiadas pela orientação do governo.

PERGUNTA — Os sindicalistas perderam um numero expressivo de cadeiras no Congresso. Como explicar isso?

Os sindicalistas perderam cadeiras no Congresso, o PSDB, conservador, aumentou sua bancada na Câmara dos Deputados e o DEM, ultra-direita quase desapareceu. Não há um só princípio ideológico orientando sistematicamente todos os eleitores. Muitos mudam de opinião de uma eleição para outra e essa é uma das razões que fazem da democracia um sistema de negociações entre múltiplos interesses e vitórias não antecipadas. O eleitor brasileiro distingue os diferentes níveis de eleição – presidencial, senatorial, governo estadual, prefeitos, deputados federais, estaduais e vereadores – e com isso o mosaico das casas de representação e os variados níveis de votação majoritária é muito complexo. Não existe no Brasil a arregimentação quase que militar que ocorre na mobilização partidária de sociedades menos democráticas. Em outras palavras: não há superposição de eixos de conflito na sociedade brasileira, com força suficiente para fender a população em dois grupos antagônicos e irreconciliáveis. Daí que os vencedores em eleições presidenciais tenham que se haver com governos estaduais e municipais, além das câmaras representativas, de inclinações diferentes da sua. É o caso, mais uma vez, das eleições de 2014. Há governadores, senadores e bancadas de deputadas com compromissos partidários os mais diversos. Isso é, ao mesmo tempo, efeito e custo democráticos, pois a representação de múltiplos interesses impede a tentativa de qualquer uniformização anti-democrática da sociedade, e ao mesmo tempo impõe custos em tempo de negociação e formação de consensos operacionais.