Por: Jânio Quadros
O interesse demonstrado na posição do Brasil em assuntos internacionais é em si mesmo uma prova da presença de uma nova força no cenário mundial. Naturalmente, meu país não surgiu por mágica, nem está momentaneamente entregue a uma exibição mais ou menos bem sucedida de busca por publicidade. Quando me refiro a uma “nova força”, não estou aludindo a uma força militar, mas ao fato de que uma nação, até aqui quase desconhecida, está pronta a fazer valer, no jogo de pressões mundiais, o potencial econômico e humano que representa e o conhecimento que surge a partir da experiência que temos o direito de acreditar ser valiosa.
Somos uma nação de proporções continentais, que ocupa quase a metade da América do Sul, que é relativamente próxima à África e que, em termos étnicos, mantém raízes indígenas, europeias e africanas. Na próxima década, nossa população atingirá cerca de cem milhões de habitantes, e a rápida industrialização de algumas regiões do país anuncia a nossa transformação em uma potência econômica.
Estamos ainda, atualmente, afligidos pelos males do sub-desenvolvimento, que tornam a maior parte do nosso país cenas de dramas quase asiáticos.
Temos áreas super populosas assoladas pela miséria e vastas regiões, as maiores do mundo, ainda por conquistar. Entretanto, grandes cidades estão se transformando em centros industriais e comerciais da maior significação.
Se somente agora o Brasil está sendo ouvido em assuntos internacionais, é porque, ao assumir o Poder, resolvi tirar proveito das consequências da posição que atingimos como nação. Fomos relegados, de forma injustificada, a uma posição obscura em nosso próprio hemisfério, deparamo-nos com erros e problemas que punham a perder o nosso próprio futuro. Abandonamos a diplomacia subsidiária e inócua de uma nação alinhada a interesses dignos, porém estrangeiros e, para proteger nossos direitos, colocamo-nos na linha de frente, convencidos que estávamos de nossa capacidade para contribuir, através de nossos próprios meios, para a compreensão entre os povos.
Antes de iniciar uma análise objetiva da política externa do Brasil, o leitor terá paciência, espero, a se deparar com afirmações subjetivas. Essas afirmações servirão para esclarecer as razões ocultas pelas quais adotamos certas posições em relação a problemas mundiais.
Para dizer a verdade, a política externa de uma nação, em si, deve ser a incorporação dos ideais e interesses comuns que governam sua existência. As aspirações idealistas são definidas pela determinação implícita ou explícita dos objetivos a alcançar. Refletem os interesses e todas aquelas circunstâncias econômicas, sociais, históricas e políticas que, em dado momento, influenciam a escolha de objetivos imediatos e de meios e modos de ação.
Os ideais da comunidade são o cenário à frente do qual se desenrola o drama nacional e são a eterna fonte de inspiração da verdadeira liderança. Infiltram-se, geralmente, nos meios e recursos usados para fazer cumprir as decisões políticas. Uma política nacional – como instrumento para a ação –parece, às vezes, voltar-se contra o impulso fundamental que a criou, para melhor servi-lo: mas em função da própria essência dessa política, a verdade de certas realidades não pode ser refutada. Para se assegurar que é viável a formulação da estratégia nacional, os desejos e ideais populares não podem ser ignorados, mas a verdade é que, muito frequentemente, as táticas precisam ser neutralizadas e despidas do seu conteúdo idealista ou sentimental para satisfazer interesses urgentes e reforçar os ideais da própria comunidade.
Há dois momentos na vida das nações quando a total liberdade é permitida, na expressão do que poderíamos chamar de ideologia nacional: quando atravessam a miséria absoluta, como a única consolação romântica que resta à população; e quando atravessam momentos de abundância, como um dever imposto à nação pela multiplicidade de interesses assegurados, mas nunca inteiramente satisfeitos.
Uma nação que não é mais tão pobre ou desprotegida que possa se entregar ao luxo de sonhos consoladores, mas está em luta contra sérios obstáculos para conseguir a plena posse da sua riqueza e para desenvolver o potencial da sua própria natureza, deverá ficar sempre em estado de alerta, atento e vigilante. Essa nação não pode perder de vista seus objetivos, mas deve evitar prejudicá-los ao se submeter a políticas que, embora em consonância com ideais remotos, não satisfazem, no momento, seus verdadeiros interesses.
Não pode haver dúvida de que o Brasil, graças a seu tremendo esforço nacional, está dando passos gigantescos para romper a barreira do subdesenvolvimento. O ritmo do crescimento nacional fala por si, e estou convencido de que, no final do meu mandato, o ritmo de progresso do País será tal que tornará a explosão populacional não mais uma perspectiva sombria, mas um fator adicional e decisivo para o avanço no processo de desenvolvimento econômico.
Não temos o direito de sonhar. Em lugar disso, nosso dever é trabalhar e, ao mesmo tempo, confiar, esperar e trabalhar com os pés firmemente plantados no chão.
Com o tempo, a política externa do Brasil refletirá a necessidade de progresso desenvolvimentista. Naturalmente, por detrás das decisões que somos forçados a tomar para enfrentar os problemas de crescimento material, inerentes ao desejo do povo brasileiro de liberdade econômica, social, política e humana, está o entrelaçamento das necessidades materiais da Nação. Mantendo sempre em mente os nossos objetivos, precisamos escolher as fontes de inspiração de nosso país, que melhor podem ser mobilizadas para ajudar o esforço nacional.
II
Em consequência da nossa formação histórica, cultural e cristã, bem como de nossa situação geográfica, nossa Nação é predominantemente ocidental. Nosso esforço nacional é voltando ao alcance de um sistema de vida democrático, tanto política como socialmente. Destacar que nossa dedicação à democracia é maior do que a de outras nações da nossa esfera cultural, poderá não ser inútil. Tornamo-nos, assim, o exemplo mais bem sucedido de coexistência racial e integração conhecidos na História.
Os ideais comuns de vida e organização acercam-nos das maiores nações do bloco ocidental e, em muitos pontos, o Brasil pode, em posição de destaque, associar-se a esse bloco. Essa afinidade é sublinhada pela nossa participação no sistema regional interamericano, que envolve obrigações políticas específicas.
No entanto, na situação atual, não podemos aceitar uma posição nacional predeterminada, exclusivamente na base das premissas acima. É inegável que temos outros pontos em comum com a América Latina em particular, e com os povos recentemente emancipados da Ásia e África, que não podem ser ignorados porque se encontram nas bases do reajustamento da nossa política, e sobre eles convergem muitas das linhas principais do desenvolvimento da civilização brasileira. Se é verdade que não podemos relegar nossa devoção à democracia a um lugar secundário, não é menos verdadeiro que não podemos repudiar laços e contatos que oferecem grandes possibilidades para a realização nacional. O grau de aproximação das relações do Brasil com os países vizinhos do continente e com as nações afro-asiáticas, embora baseado em motivos diferentes, tende para o mesmo fim. Entre esses, na maioria dos casos, estão motivos históricos, geográficos e culturais. O fato comum a todos eles é o de que nossa situação econômica coincide com o dever de formar uma frente unida na batalha contra o subdesenvolvimento e todas as formas de opressão.
Disso tudo, naturalmente, certos pontos, que se destacam, podem ser considerados básicos para a política externa do meu governo. Um deles é o reconhecimento da legitimidade da luta pela liberdade econômica e política. O desenvolvimento é um objetivo comum ao Brasil e às nações com as quais procuramos ter relações mais próximas, e a rejeição do colonialismo é o corolário inevitável e imperativo desse objetivo.
É, ainda, à luz desses determinantes políticos que hoje consideramos como sendo de primeira importância o futuro do sistema regional interamericano. O crescimento da América Latina, como um todo, e a proteção da soberania de cada nação do Hemisfério são as pedras fundamentais de uma política continental, no entendimento do governo brasileiro.
Os enganos criados por um equacionamento errado dos problemas continentais são mais do que conhecidos. O auxílio insuficiente ou mal dirigido aumentou as divergências regionais. Nações que enfrentam graves problemas em comum, isto é, todas as nações da América Latina, precisam direcionar seus planos de acordo com suas necessidades identificadas. Os latino-americanos estão interessados não na prosperidade dos pequenos grupos dirigentes, mas na prosperidade nacional como um todo, o que deverá ser buscado a todo custo, sem levar em consideração os riscos.
Os Estados Unidos precisam compreender que hoje enfrentam um desafio advindo do mundo socialista. O mundo ocidental precisa demonstrar que não é somente o planejamento comunista que promove a prosperidade das economias nacionais. O planejamento democrático também precisa fazer o mesmo, com a assistência daqueles que são economicamente capazes, caso o sistema político de dois terços do mundo ocidental queira evitar o risco de uma bancarrota.
Não podemos avaliar a que extensão a pobreza nos separa da América do Norte e das principais nações europeias do mundo ocidental. Se, pelo sucesso alcançado, elas representam, aos olhos dos povos subdesenvolvidos, o ideal de realização de uma elite de origem cultural europeia, está, no entanto, enraizando-se, nas mentes das massas, a convicção de que esse ideal, para uma nação sem recursos e prejudicada em suas aspirações de progresso, é uma ironia. Que solidariedade pode existir entre uma nação próspera e um povo desgraçado? Que ideais comuns podem, no curso do tempo, suportar a comparação entre as áreas ricas, cultivadas, dos Estados Unidos e zonas assoladas pela fome no Nordeste do Brasil?
Pensamentos como esses criam em nós, de forma irrevogável, um sentimento de solidariedade com esses povos invadidos pela miséria que, em três continentes, lutam contra interesses imperialistas que, resguardados por instituições democráticas, desviam – se não destroem – as tentativas para organizar economias populares. Quando nações, competindo com o grupo democrático, fazem oferta de auxílio econômico, desinteressado, real ou falso, esse problema parece mais agudo, sob a pressão do conflito de interesses Nesse ponto, poderia ser apropriado fazer referência aos preconceitos ideológicos das democracias capitalistas, sempre prontas a depreciar a idéia de intervenção estatal em países onde ou o Estado controla e governa o crescimento econômico – o que se tornou uma questão de soberania – ou nada pode ser realizado. Não estamos em posição de permitir a liberdade de ação de forças econômicas em nosso território, simplesmente porque essas forças, controladas do exterior, fazem o seu próprio jogo e não o de nosso país.
O governo brasileiro não tem preconceitos contra o capital estrangeiro – longe disso. Temos grande necessidade da sua ajuda. A única condição é que a nacionalização gradual dos lucros seja aceita, pois de outro modo eles não são mais um elemento de progresso, mas tornam-se apenas uma sanguessuga, alimentando-se do nosso esforço nacional. Saibam que o Estado, no Brasil, não entregará esses controles, que beneficiarão nossa economia, ao canalizar e assegurar a eficiência do nosso progresso.
III
O desequilíbrio econômico é sem dúvida o mais crítico de todos os fatores adversos que afligem o sistema regional interamericano, e dele se originam quase todos os demais. Meu governo está convencido de estar lutando pela recuperação do pan-americanismo e de que isso deve começar pelos setores econômico e social. Politicamente, estamos tentando dar forma e conteúdo aos princípios imperativos da autodeterminação e da não intervenção, e são esses os princípios que nos guiam em relação às Américas, assim como ao resto do mundo.
A questão de Cuba, ainda dramaticamente presente, convenceu-nos, de uma vez por todas, da natureza da crise continental. Ao defender com intransigência a soberania de Cuba contra interpretações de um fato histórico que não pode ser controlado a posteriori, acreditamos estar ajudando o continente a se despertar para a verdadeira noção das suas responsabilidades. Defendemos nossa posição a respeito de Cuba, com todas as suas implicações. A atitude do Brasil foi, sem dúvida, compreendida por outros governos e, à medida que ganha terreno, o sistema regional inteiro mostra sinais de regeneração na avaliação das responsabilidades de cada nação-membro.
O governo dos Estados Unidos, através dos seus recentes programas de ajuda, deu um passo importante em direção à revisão de sua política continental, clássica e inoperante. Esperamos que o Presidente Kennedy, a quem não faltam as qualidades de liderança, reconsidere, ao máximo, a atitude do seu país e extirpe os consideráveis obstáculos que restam no caminho à uma comunidade continental verdadeiramente democrática.
Quanto à África, podemos dizer que o continente representa hoje uma nova dimensão da política brasileira. Estamos ligados àquele Continente pelas nossas raízes étnicas e culturais e partilhamos do seu desejo de forjar para si mesmo uma posição independente no mundo de hoje. As nações da América Latina que se tornaram politicamente independentes no curso do século XIX tiveram o processo de desenvolvimento econômico retardado por circunstâncias históricas, e a África, que apenas recentemente se tornou politicamente livre, junta-se a nós, neste momento, na luta comum pela liberdade e pelo bem-estar.
Creio que é precisamente na África que o Brasil pode prestar o melhor serviço aos conceitos de vida e métodos políticos ocidentais. Nosso país deveria tornar-se o elo, a ponte entre a África e o Ocidente – desde que estamos tão intimamente ligados a ambos os povos. Enquanto pudermos dar às nações do continente negro um exemplo de completa ausência de preconceito racial, juntamente com provas cabais de progresso, sem que sejam minados os princípios da liberdade, estaremos contribuindo decisivamente para a integração efetiva de todo o Continente num sistema ao qual estamos presos por nossa filosofia e tradição histórica.
A atração exercida pelo mundo comunista, pelas técnicas comunistas, pelo espírito das organizações comunistas sobre os países que acabam de se libertar do jugo capitalista, é do conhecimento de todos. De um modo geral, todas as nações subdesenvolvidas, inclusive as da América Latina, são suscetíveis a esse apelo. Não deve ser esquecido que enquanto a independência das nações latino-americanas foi inspirada por um movimento de libertação com raízes na Revolução Francesa, a autonomia obtida pelas novas nações asiáticas e africanas foi precedida por uma onda de esperança provocada pela revolução socialista na Rússia que atingiu as classes e povos oprimidos de todo o mundo. O movimento de libertação afro-asiático ergueu-se contra o domínio de nações que compõem – se não encabeçam – o bloco ocidental.
Esses fatores históricos são de importância decisiva e devem ser tomados em consideração ao estimar o papel que um país como o Brasil pode desempenhar na tarefa de reavaliar as forças dinâmicas que estão atuando no novo mundo de hoje, na Ásia e na África.
Por muitos anos, o Brasil errou em apoiar o colonialismo europeu junto às Nações Unidas. Essa atitude – que somente agora começa a desaparecer – deu lugar a uma justificada desconfiança quanto à política brasileira. Círculos mal-informados, excessivamente impressionados pelos padrões de comportamento europeus, contribuíram para um erro que deve ser atribuído mais ao desprezo aos compromissos mais profundos de nosso país do que à malícia política. Nossas relações fraternais com Portugal influíram na complacência demonstrada pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil nesse assunto.
Portanto, tudo conduz a uma necessária mudança de posição com respeito ao colonialismo que, sob todos os seus disfarces, – mesmo os mais transparentes – enfrentará de agora em diante a oposição determinada do Brasil. Essa é a nossa política, não apenas no que diz respeito à África, não por uma solidariedade platônica, mas porque está de acordo com os interesses nacionais brasileiros. Esses, até certo ponto, são ainda influenciados pelas mais ocultas formas de pressão colonialista, mas pedem uma reaproximação com a África.
Poderia acrescentar que a elevação dos padrões econômicos dos povos africanos é de vital importância para a economia do Brasil. Mesmo de um ponto de vista puramente egoísta, estamos interessados em ver a melhoria social e o aperfeiçoamento das técnicas de produção na África. A exploração dos africanos pelo capital europeu é prejudicial à economia brasileira, pois permite o estímulo a uma competição comercial baseada no trabalho mal pago dos negros. É preciso estabelecer a competição em um nível civilizado e humano, de maneira a substituir essa forma de escravidão, apoiada em salários inferiores pagos a toda uma raça. Atualmente, o crescimento industrial de meu país garante aos africanos uma importantíssima fonte de suprimentos, que poderia mesmo servir como base de acordos para unir os nossos respectivos sistemas de produção.
Estamos estabelecendo relações regulares, diplomáticas e comerciais com várias nações da África, e emissários do meu governo visitaram aquele continente para estudar possibilidades concretas de cooperação e intercâmbio. Com o tempo, as potencialidades dessas relações mais próximas, destinadas a ser um marco na história das relações humanas, serão concretizadas.
IV
Aqui devo mencionar outro importante aspecto da nova política externa brasileira. Meu país tem poucas obrigações internacionais: estamos presos apenas a pactos e tratados de assistência continental, que nos obrigam à solidariedade com qualquer membro do hemisfério que se possa tornar vítima de agressão extracontinental. Não assinamos tratados da natureza da OTAN e não estamos absolutamente forçados de maneira formal a intervir na guerra fria entre o Oriente e o Ocidente. Estamos, portanto, em situação de seguir nossa inclinação natural e agir energicamente em favor da paz e da diminuição da tensão internacional.
Não sendo membro de bloco algum, nem mesmo do bloco neutro, preservamos nossa liberdade absoluta de tomar nossas próprias decisões em casos específicos e à luz de sugestões pacíficas em consonância com nossa natureza e História. Um grupo de nações, notavelmente da Ásia, tem tido o cuidado em permanecer à margem de qualquer choque de interesses que representam, invariavelmente, aqueles das grandes potências e não necessariamente os de nosso país, e menos da paz mundial.
O primeiro passo para tirar proveito total das possibilidades da nossa posição no mundo consiste em manter relações normais com todas as nações. O Brasil, por má interpretação ou distorção do seu bom senso político, levou vários anos sem contatos regulares com as nações do bloco comunista, chegando ao ponto de manter com essas nações apenas relações comerciais indiretas e insuficientes com elas. Como parte do programa do meu governo, decidi examinar a possibilidade de reatar relações com Romênia, Hungria, Bulgária e Albânia: essas foram atualmente estabelecidas. Negociações para o reatamento de relações com a União Soviética estão em progresso, e uma missão oficial brasileira vai à China para estudar as possibilidades de intercâmbios. Em consonância com essa revisão de nossa política externa, meu país, como é sabido, decidiu votar a favor da inclusão na agenda da Assembleia Geral das Nações Unidas da questão da representação da China; essa posição inicial terá, no seu devido tempo, suas consequências lógicas.
As possibilidades de relações comerciais entre o Brasil e o Oriente são praticamente terra incognita. Mesmo no caso do Japão; ao qual estamos ligados por tantos laços, nossas relações comerciais estão longe de ser completas. A China, Coreia, Indonésia, Índia, Ceilão e todo o sudeste da Ásia abrem espaço para o desenvolvimento de nossa produção e empreendimentos comerciais, que não podem ser desencorajadas nem pela distância, nem pelos problemas políticos.
É preciso levar ao conhecimento do mundo o fato de que o Brasil está aumentando intensivamente sua produção, focando não apenas em seu mercado doméstico, mas procurando, especificamente, atrair outras nações. De um ponto de vista econômico, o lema do meu governo é “Produzir tudo, porque tudo que é produzido é comerciável”. Sairemos à conquista desses mercados; em casa, na América Latina, na África; na Ásia, na Oceânica, em países democráticos e naqueles que se uniram ao sistema comunista. Os interesses materiais não conhecem doutrina e o Brasil está atravessando um período em que sua própria sobrevivência como nação, que ocupa uma das áreas mais extensas e privilegiadas do globo, depende da solução dos seus problemas econômicos. Nossa própria fidelidade ao sistema democrático de vida está em jogo nessa luta pelo desenvolvimento. Uma nação como a nossa, com 70 milhões de habitantes e com o mais alto índice de crescimento populacional do mundo, não permitirá sequer uma diminuição na velocidade do seu movimento em direção à plena utilização de sua própria riqueza.
Sem medo de errar, posso dizer que a experiência de progresso democrático em curso no Brasil é decisiva, tanto para a América Latina quanto para todas as áreas subdesenvolvidas do mundo. Portanto, essa experiência é do maior interesse de nações prósperas, que se orgulham em ser livres. E assim será, desde que o sucesso coroe os esforços de emancipação econômica das nações subdesenvolvidas que vivem sob o mesmo sistema. A liberdade, mais uma vez, torna-se o produto da igualdade.
É preciso destacar a idéia por trás da política externa do Brasil, e sua implementação torna-se agora o instrumento para uma política de desenvolvimento nacional. Como parte importante de nossa vida de nação, a política externa deixou de ser um exercício irreal, acadêmico, levado a efeito por elites absortas e confusas, para tornar-se o tema principal da nossa preocupação diária. Com essa política, buscamos objetivos específicos: em casa, prosperidade e bem-estar; no exterior, viver juntos, amigavelmente, e em paz no mundo.
Não há necessidade de explicar aos brasileiros o que somos hoje no mundo. Estamos plenamente conscientes da missão que precisamos cumprir – e podemos cumprir.
Jânio Quadros. “A Nova Política Externa do Brasil”