Fernando Taquari
( Valor Econômico/06/06/2014 )
Adversários políticos promoveram uma trégua na pré-campanha para celebrar no último fim de semana o casamento entre Daniela Filomeno e José Seripieri Júnior, dono da Qualicorp, administradora de benefícios e corretora de planos de saúde. O evento, que contou com show do cantor Roberto Carlos e foi realizado no condomínio de luxo Quinta da Baroneza, em Bragança Paulista (SP), reuniu empresários e a cúpula da política nacional. As fotos do evento foram publicadas pela colunista Sônia Racy, de “O Estado de S.Paulo”. Hospedado na casa do seu médico particular e diretor-geral do centro de cardiologia do Hospital Sírio Libanês, Roberto Kalil Filho, no condomínio, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva compareceu à cerimônia na companhia de Marisa Letícia, sua esposa. Lula e Seripieri são amigos. Passaram juntos, na casa do dono da Qualicorp em Angra dos Reis (RJ), o reveillon de 2013.
Na festa de casamento ainda marcaram presença a ministra da Cultura, Marta, e os tucanos Geraldo Alckmin e José Serra, além do ex-prefeito Gilberto Kassab, do PSD. A eleição de 2010 já tinha revelado a capacidade de Seripieri em transitar entre adversários políticos. Um levantamento realizado pelos pesquisadores Mário Scheffer, do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade de São Paulo (USP), e Lígia Bahia, do Laboratório de Economia Política da Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), revelou que a Qualicorp foi a única administradora do segmento de planos de saúde a financiar, diretamente, as duas principais campanhas presidenciais da última eleição.
A presidente Dilma Rousseff recebeu R$ 1 milhão da Qualicorp, enquanto Serra obteve R$ 500 mil. Também foram doados R$ 400 mil para Alckmin. No total, a administradora doou R$ 1,9 milhão na campanha passada, registrado oficialmente no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Apenas a Unimed do Estado de São Paulo superou esse valor ao repassar R$ 3,5 milhões para as candidaturas de deputados federais e estaduais. De acordo com o estudo, as empresas relacionadas aos planos de saúde doaram R$ 12 milhões para campanhas eleitorais de 157 candidatos em 2010. O valor supera os R$ 7,1 milhões repassados em 2006.
Criada em 1997 para vender planos de saúde a associações de classe, a Qualicorp conta com carteira de 4,6 milhões de beneficiados. Com capital aberto e valor de mercado de R$ 6,1 bilhões, a administradora registrou no primeiro trimestre do ano um lucro líquido ajustado (que desconsidera aquisições) de R$ 58,6 milhões, um aumento de 105,8% em relação ao mesmo período de 2013. Em julho de 2009 a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) editou duas resoluções que, segundo fontes do mercado, beneficiaram a Qualicorp, que, naquele momento, já era líder do segmento.
A normativa 195 foi editada para regular os planos coletivos por adesão ao passo que a de número 196 trata da atuação das administradoras de benefícios. De forma indireta, ambas as medidas foram importantes para formalizar a atividade da empresa, uma vez que não havia uma regulamentação específica sobre a viabilização de planos de saúde coletivos por adesão. As resoluções imprimiram obrigações e responsabilidades para as companhias do segmento que atuavam sem a fiscalização de um órgão regulador.
Procurada pelo Valor, a Qualicorp afirmou que seus negócios são essencialmente privados e que não há contratos com governos estaduais, municipais ou federal. “Em outra linha de negócios, como prestadora de serviços na área de gestão de saúde, possui um único contrato na área pública, celebrado em setembro de 2009, na esfera estadual, por licitação pública, sendo vencedora pelo menor preço apresentado, contrato este cuja receita representa menos de 1% do faturamento total da companhia”, diz em nota.
Pouco meses depois de a ANS publicar as novas regras, o médico Maurício Ceschin deixou o cargo de diretor-presidente da Qualicorp para assumir entre novembro de 2009 e abril de 2010 o posto de diretor na agência reguladora, sendo em seguida nomeado diretor-presidente, cargo que ocupou até 2012. Há duas semanas, após cumprir a quarentena, Ceschin voltou ao cargo de presidente do grupo Qualicorp.
Em nota enviada ao jornal “O Globo” em 2011, a agência reguladora defendeu a escolha de Ceschin para a ANS ao afirmar que ele, até então, atuava no setor de saúde suplementar há 26 anos, tendo sido antes diretor do Grupo Medial Saúde, diretor da Integrare Consultoria em Saúde e diretor presidente do Hospital Sírio-Libanês.
Recentemente a agência se envolveu em polêmica ao contrariar o Conselho Federal de Medicina (CFM) e defender a medida provisória que previa o perdão de dívidas das operadoras de planos de saúde no valor total de R$ 2 bilhões. A proposta alterava a forma de cobrança de multas e reduzia as punições aplicadas pela ANS. Diante de protestos de entidades de defesa do consumidor, a presidente Dilma vetou a MP.
De acordo com o conselho, o projeto privilegiava o lucro das operadoras em detrimento à assistência de milhares de brasileiros que têm plano de saúde. Além disso, a entidade alegou que o montante passível de anistia serviria para sanar problemas de hospitais e postos de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS). A anistia também beneficiaria a Qualicorp, embora a empresa não seja uma operadora, mas uma administradora de benefícios, segundo Sheffer. “Tudo que impacta o setor é de interesse da Qualicorp”, afirma. A empresa informa que a anistia não impacta os negócios da empresa.
A ANS tem intensificado a cobrança dos valores a serem ressarcidos pelas operadoras devido à utilização de serviços do SUS por parte dos consumidores dos planos de saúde. Neste quadrimestre, foram ressarcidos R$ 91,15 milhões, quatro vezes mais do que no mesmo período de 2013. O valor encaminhado para a inscrição em dívida ativa também foi quadriplicado (R$ 63,18 milhões). O valor atualizado em cobrança judicial é de R$ 560,4 milhões.