Por: José Viegas
No dia 1º de maio, em decorrência da deterioração da situação no Leste da Ucrânia, os EUA fizeram saber que a OTAN abandonou a estratégia de aproximação com a Rússia, que vinha dos anos 90, e cuidará agora de reforçar a capacidade de combate dos seus aliados na Europa Oriental, tomando o cuidado de acrescentar que se tratava de “forças defensivas”.
Em 2 de maio, em resposta a um ataque aéreo lançado pelo governo ucraniano contra os rebeldes russófilos em Slavyansk, o governo russo declarou que o uso da força pelo governo de Kiev havia destruído a esperança de resolver a crise pacificamente. Os russos também colocaram uma nota de cautela reafirmando sua esperança de que os EUA e a União Europeia pressionem Kiev a pôr fim aos ataques e a buscar uma acomodação com os que protestam no Leste do país, concordando em dar-lhes maior autonomia e transformando a Ucrânia em uma federação, o que possibilitaria, inclusive, o desenvolvimento de relações amistosas com a Rússia.
As primeiras tentativas de Kiev de reverter a situação no Leste do país fracassaram e o governo ucraniano chegou a admitir que perdera o controle da situação. Mas não se pronunciou a respeito do tipo de solução que almeja. No fim de semana houve ataques mais intensos às áreas ocupadas pelos rebeldes, tornando a situação tensa e perigosa.
Mesmo que se confirme o predomínio dos rebeldes russófilos, a situação permanecerá complicada. Por um lado, os EUA e a União Europeia terão dificuldade em abandonar a sua retórica e a sua política de poder que, oficialmente, não lhes permite nem mesmo reconhecer o caráter russo da Crimeia. Declarações hostis e manifestações de inconformidade persistirão de ambas as partes.
Caso a ofensiva de Kiev se intensifique e os rebeldes cedam terreno, aumenta a possibilidade de uma ação russa em favor daqueles que buscam a sua proteção. Hoje, domingo, tudo são incertezas.
Por outro lado, não se sabe ainda que farão os rebeldes se chegarem a dominar as cidades principais das províncias do Leste ucraniano. Qual estratégia seguirão? Conseguirão sustentar a luta? Proclamarão cada uma sua independência? Pedirão, todas, anexação à Rússia? Formarão elas próprias uma federação das províncias da Ucrânia Oriental? Que reação terá o enfraquecido mas estridente governo de Kiev? Que atitude tomará a Rússia? E os EUA? e a União Europeia?
Como venho dizendo em meus artigos anteriores, o perigo está mais nos ódios intra-ucranianos, que podem facilmente fugir do controle, do que nas potências principais, que têm outras preocupações em um jogo cujo tabuleiro é bem maior.
A resposta americana de reforçar a OTAN na Europa Oriental é um modo de contrabalançar a forte vantagem logística local de que a Rússia desfruta em sua fronteira com a Ucrânia e mesmo dentro desse país. Em outras palavras, se os russófilos da Ucrânia conseguirem consolidar seu domínio do leste do país, a Rússia poderá ganhar localmente, mas ficará em desvantagem no resto da Europa Oriental e mesmo na Ásia Central.
O governo russo, por sua vez, certamente não deseja responsabilizar-se financeiramente pelas depauperadas províncias rebeldes da Ucrânia, mas tampouco poderá ficar impassível se os que buscam sua proteção forem objeto de uso de força significativa. A Rússia declarou que vê em uma federação de toda a Ucrânia, que garanta os direitos das minorias, a solução pacífica para a crise. Mas para isso é necessário que exista um clima de paz.
E a Rússia também precisa de tempo. Nas décadas recentes, depois do colapso da União Soviética, o exército russo foi tratado a pão e água, até que todas as suas lideranças comunistas fossem substituídas. Hoje, como se viu na Crimeia, esse exército está em plena recuperação e suas forças especiais já mostraram estar bem modernizadas.
Paralelamente, os EUA mantêm seu objetivo de evitar o surgimento de qualquer novo rival, seja a Rússia ou a China, que possa contestar o seu poder global. De modo que podemos estar assistindo ao começo de um novo jogo.
Semanas atrás, aqui neste blog, eu alertei para a possibilidade de que uma aproximação entre a Rússia e a China em termos estratégico-militares traria problemas para a posição do Brasil nos BRICS. Continuo pensando basicamente assim, mas amigos e companheiros meus alertaram-me para que o efeito pode ser exatamente o oposto: Essa transformação do cenário geo-estratégico daria ao Brasil, caso ele decida voltar a ter uma política externa atuante, a oportunidade de exercer as funções que melhor sabe desempenhar – as de estabelecer pontes, buscar linhas de diálogo, oferecer soluções equilibradas e equidistantes e contribuir, assim, para a manutenção da paz mundial.
Continua nas próximas semanas.