Os protestos são resultado de uma cisão na oposição. Henrique Capriles foi considerado conciliador demais pela extrema direita
Ao reagir aos protestos na Venezuela, os maiores veículos de mídia ocidentais (incluindo os do Brasil) traçaram uma narrativa encantadoramente simples sobre a situação.
De acordo com essa história, manifestantes pacíficos se sublevaram contra o governo por conta da escassez, inflação elevada e crime. Saíram às ruas e foram recebidos por repressão brutal da parte de um governo que também controla a mídia.
Não é preciso pesquisar muito para derrubar essa narrativa. Ainda que algumas marchas da oposição tenham sido pacíficas, os protestos diários nada têm de tranquilos.
Cerca de metade das 39 vítimas fatais são na verdade civis e membros das forças de segurança aparentemente mortos pelos manifestantes. Os manifestantes supostamente mortos pelas forças de segurança representam fração muito menor.
Quanto à mídia, a emissora estatal conta com apenas 10% da audiência da TV –o “New York Times” se viu forçado a publicar uma correção depois de reportar falsamente que vozes da oposição não são ouvidas. Elas estão no ar, até para pedir a derrubada do governo –o seu verdadeiro objetivo desde o começo.
As manifestações venezuelanas não são parecidas com as do Brasil no ano passado ou com as do Chile entre 2011 e 2013, organizadas em torno de demandas específicas. É claro que a crescente escassez e a alta da inflação têm impacto político, mas o notável é que os mais prejudicados não estão aderindo aos protestos: são as classes mais altas e menos afetadas que os lideram.
Na realidade, os protestos começaram em larga medida como resultado de uma cisão na oposição. Henrique Capriles, derrotado por Hugo Chávez e Nicolás Maduro nas duas últimas eleições presidenciais, era considerado conciliador demais pela extrema direita, liderada por Leopoldo López e Maria Corina Machado. Eles decidiram que o momento era propício para a derrubada do governo por meio de protestos de rua. Os dois estiveram envolvidos no golpe militar de 2002 contra o então presidente Hugo Chávez. Machado até assinou o decreto do governo golpista que aboliu a Assembleia Nacional, a Constituição e o Supremo Tribunal.
Não defendo a detenção de López ou a cassação de Machado. Mas devemos ser honestos sobre quem são esses líderes e o que procuram fazer. (Os brasileiros são felizardos por não terem hoje extremistas comparáveis com grande apoio nacional).
A estratégia da extrema direita venezuelana é tornar o país ingovernável, de modo a ganhar pela força aquilo que não foi capaz de conquistar nas 18 eleições realizadas nos últimos 15 anos.
As declarações de Lula e Dilma mostram que eles não têm ilusões quanto ao que está acontecendo na Venezuela. Ambos decerto se lembram do golpe brasileiro que levou os militares ao poder e os colocou na prisão. O mesmo se aplica a outros governos sul-americanos que fizeram pronunciamentos semelhantes. Mas eles, ao mesmo tempo, também se ofereceram para mediar diálogos entre o governo e oposição, como fizeram na última quinta-feira. Esse é o único caminho para o avanço na Venezuela.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/161159-nao-e-tao-simples-assim.shtml.
MARK WEISBROT é codiretor do Centro de Pesquisa Econômica e Política em Washington e presidente da Just Foreign Policy, organização norte-americana especializada em política externa