LAI, América Latina en Movimiento –  2013-11-18

Recursos naturais, infraestrutura e tecnologia

Por: J. Carlos de Assis

Jose Carlos de AssisComo a terra de Galileu, a Unasul se move. No início de dezembro (2 a 4) será
realizado no Rio o foro sobre Ciência, Tecnologia, Inovação e Industrialização, que é uma
sequência natural da Conferência promovida pela Unasul na Venezuela, em fins de maio
último, com o objetivo específico de orientar a vontade política do bloco no sentido de
promover a industrialização na própria região dos amplos recursos naturais da América do Sul.
Essa nova iniciativa, conduzida pela mão experiente do secretário geral Ali Rodriguez
Araque, é fundamental porque dá a dimensão da vitalidade e da coerência da Unasul na busca
de uma vocação e um destino para a região. Muitas instituições internacionais se criam e nada
acontece, afogadas que ficam pela própria burocracia. A Unasul se revela ansiosa por
resultados. A Conferência na Venezuela atacou um problema básico. O foro do Rio será uma
oportunidade para o início da assunção efetiva de compromissos concretos.
Quando se fala em industrialização na região dos imensos recursos naturais, minerais e
energéticos, da América do Sul, somos forçados a imaginar imediatamente uma cadeia de
iniciativas indispensáveis para sua efetiva realização. O primeiro passo é o aproveitamento
hidrelétrico e a mineração. O segundo, as linhas de transmissão e sua articulação com redes
regionais. O terceiro, a industrialização propriamente. E a quarta, a logística.
Tenho insistido muito na questão da logística de transportes. Ela é fundamental para a
ligação da mina ao centro de industrialização, e deste para os mercados interno e externo. Em
termos de esforço financeiro, tanto a mina quanto a industrialização são autofinanciáveis, na
medida em que seus produtos são facilmente comercializáveis. O problema, portanto,
fundamental para países em desenvolvimento, é a logística, em especial a logística pioneira.
A maioria dos países da América do Sul não tem poupança interna orçamentária
suficiente para suportar grandes investimentos em infraestrutura de transportes. Não tem
poupança suficiente sequer para oferecer garantias bancárias para empréstimos. Por outro
lado, enfrenta condições perversas de financiamento no sistema internacional, permeado de
contingenciamentos ideológico e políticos, que caracterizam inclusive agências multilaterais.
Há uma expectativa legítima em torno do potencial do Banco do Sul como um
financiador decisivo da infraestrutura regional. Entretanto, por mais inclinado aos
compromissos sociais que venha a ter, banco não pode emprestar sem taxa de retorno e sem
garantias. Cairemos, com ele ou sem ele, no mesmo círculo vicioso de se não investir porque
não se tem poupança, e de não se ter poupança por falta de investimento e de crescimento.
Entretanto, não é só a industrialização de produtos naturais que requer um eficiente
sistema de transportes. Este é fundamental para a circulação da produção em geral. Não
haverá efetiva integração sul-americana sem integração de infraestrutura. A Unasul entendeu
isso ao absorver a IIRSA, mapeamento da logística regional, e transformá-la no Cosiplan, o
conselho da entidade encarregado de por em marcha os investimentos de infraestrutura,
infelizmente quase inócuo por falta de recursos.
A infraestrutura pioneira de transportes, e mesmo as redes viárias normais, são o
domínio preferencial do setor público. Nenhum investidor privado investe em vias pioneiras
que, por seu potencial de carga transportada, não garanta retorno adequado do investimento.
Nesses casos, é o setor público que tem que investir a fundo perdido, garantindo inclusive um
custo baixo dos transportes em regiões de desbravamento ou baixa densidade de carga.
Temos, pois, que resolver de alguma forma o problema do investimento e do
financiamento do sistema de transportes. Na medida em que é um problema do setor público,
e o setor público sul-americano enfrenta graves dificuldades de crédito, não há alternativa a
não ser, seguindo a experiência histórica nesse campo de países como os EUA e o Brasil, criar
ou redirecionar tributos para um fundo vinculado ao desenvolvimento viário.
Um tributo sobre combustíveis automotivos vinculado ao financiamento dos
transportes foi a receita de sucesso para que o Brasil, um país continental, construísse no
passado uma razoável infraestrutura de transportes – sintomaticamente degradada a partir
dos anos 80, quando o tributo foi incorporado à caixa única do Tesouro, onde está até hoje. O
mesmo se pode dizer da infraestrutura de transportes norte-americana, construída e
sustentada por tributos vinculados do governo federal e dos Estados, também degradada por
força de congelamento de seu valor em níveis dos anos 70.
A proposta de tributo vinculado esbarra, na América do Sul, numa estrutura tributária
que, fora a Argentina e o Brasil, se destaca pela aberração. Enquanto Argentina e Brasil têm
cargas tributárias da ordem de 32% do PIB, nos demais países essa relação oscila em torno dos
16%, variando entre 10% e 22%. Isso reflete a resistência dos ricos e afluentes a pagar tributos
na região. Contudo, se essa tendência não for corrigida, a maioria dos países da América do Sul
não terá efetivas condições de participar de um projeto comum de desenvolvimento através
da integração da infraestrutura.
Claro que, como em qualquer bloco econômico que leve em conta assimetrias
regionais, os países mais desenvolvidos da América do Sul devem arcar com uma parcela maior
do custo da integração. Por exemplo, o investimento comum nas vias de transportes –
rodoviárias, ferroviárias e aquaviárias – deve ser proporcional ao PIB ou ao tributo vinculado
de cada país. Isso implicaria um subsídio implícito aos países menos desenvolvidos da região. E
poderia replicar também na cesta de garantias a ser estabelecida pelo Banco do Sul, que daria
o empréstimo com base no valor presente, descontado a uma taxa baixa, do tributo vinculado.
Voltando ao tema do foro, a discussão que se vai travar terá de enfocar também o
problema de financiamento e modelagem das ações de desenvolvimento científico,
tecnológico e de inovação. Nesse caso temos que ser realistas. Muita coisa pode ser resolvida
com subsídios adequados ao setor privado, ou a esquemas público-privados, mas uma parte
substancial deve ser resolvida pelo setor público. Será importante prestar atenção no modelo
que será adotado pela Bolívia para desenvolver suas imensas minas de lítio. Se isso for bem
sucedido, teremos um caso exemplar a ser expandido no continente. Claro, também esse
projeto, para se afirmar economicamente, precisará de infraestrutura logística.

*Economista, ScD pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB e autor

de vários livros sobre economia política brasileira.