Por: Sérgio Sérvulo da Cunha

Sérgio Servulo

A competência do Supremo Tribunal Federal vem discriminada nos arts. 102 a 103-A da Constituição Federal. Embora se diga, aí, que ao STF cabe a “guarda da Constituição”, sua competência vai além disso.

O STF julga recursos interpostos contra decisões de tribunais federais e estaduais (competência recursal), e julga também ações que lhe são distribuídas diretamente (competência originária). Na competência originária se inclui o processamento e julgamento de ações movidas, pela prática de infrações penais comuns, contra o presidente da República, seus ministros, o vice-presidente, membros do Congresso Nacional, e o procurador geral da República (art. 102-I-b), que têm, aí, “foro privilegiado” ou “foro por prerrogativa de função”.

Esse é o caso da ação penal nº 470, movida pelo Procurador Geral da República contra alguns deputados e um ministro de Estado. Havendo mais réus, o STF decidiu que eles também seriam ali julgados, a fim de não se fraccionar o processo. Sendo muitos os réus, a instrução – efetuada parte no STF, e parte, por delegação deste, em juízos de 1ª. instância – demorou muito tempo.

Chegando ao plenário do STF, este, para condenar alguns dos réus – os que exerciam funções de chefia (como José Dirceu e José Genoíno) – pela primeira vez aplicou a “teoria do domínio do fato” (que ao  transforma a responsabilidade penal de subjetiva em objetiva).

No Brasil, a responsabilidade penal sempre foi, e continua sendo subjetiva. Lê-se no código penal (art. 18) que o crime é: “I- doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo; II-culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.”

Alguns dos réus filiados ao PT disseram ainda que não houve desvio de dinheiro público, mas utilização imprópria (caixa 2) de contribuições eleitorais. Para quem não viu os autos, só tendo conhecimento do caso pelas informações da mídia e pelo que se disse nas sessões de julgamento (TV Justiça), as acusações e as provas pareceram vagas e deficientes. E há episódios em que alguns ministros pareceram parciais, como torcedores querendo interferir no resultado a favor do seu time.

Proferida a decisão, falou-se na interposição, por parte de alguns réus, de “embargos infringentes”. Antes de que se abrisse procedimentalmente essa discussão, alguns ministros se manifestaram sobre seu descabimento, por não se achar, esse recurso, previsto na lei 8.038/1990 (que dispõe, incompletamente, sobre recursos cabíveis no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal).

No Brasil, além de normas contidas em inúmeras leis menores, acham-se disposições de natureza processual no Código de Processo Civil (CPC), no Código de Processo Penal (CPP), na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e no Código de Processo Penal Militar (CPPM).

Colhe-se, nesses diplomas, a referência a embargos infringentes, como o recurso cabível, em segunda instância, em alguns casos em que a decisão do tribunal não tenha sido unânime (CPC, art. 530; CPP, art. 609; CPPM, art. 541).

Diz o art. 530 do Código de Processo Civil: “Cabem embargos infringentes quando o acórdão não unânime houver reformado em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência.”

Diz, por sua vez, o art. 609 do Código de Processo Penal, em seu parágrafo único: “Quando não for unânime a decisão de segunda instância, desfavorável ao réu, admitem-se embargos infringentes e de nulidade, que poderão ser opostos dentro de 10 (dez) dias, a contar da publicação do acórdão, na forma do art. 613. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência.”

Em nosso ordenamento jurídico, a única disposição sobre o cabimento de embargos infringentes contra decisões do STF é a do art. 333 do Regimento Interno dessa Corte: “Cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma: I. que julgar procedente a ação penal. II. que julgar improcedente a revisão criminal; III. que julgar a ação rescisória. IV. …………………. V. que, em recurso criminal ordinário, for desfavorável ao acusado. Parágrafo único. O cabimento dos embargos, em decisão do Plenário, depende da existência, no mínimo, de quatro votos divergentes, salvo nos casos de julgamento criminal em sessão secreta.”

Segundo a Constituição brasileira, em seu art. 96, compete privativamente aos tribunais, “a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos” (grifei). Face a essa dicção, disposições regimentais têm natureza regulamentar; em outras palavras: não sendo normas jurídicas primárias (tais as leis), servem à aplicação destas, no âmbito por elas traçado.

Acontece, entretanto, que o Regimento Interno do STF é de 1980, editado portanto durante a ditadura, na vigência da carta outorgada pela Junta Militar, em  1969, que no § 3º do seu art. 119, entregava ao STF a competência para dispor, em seu Regimento Interno, sobre “c) o processo e o julgamento dos feitos de sua competência originária ou recursal……..”.

Com o advento da Constituição de 1988, o STF deixou de editar – como era e continua sendo imperioso – um novo Regimento Interno, e passou a sustentar que seu Regimento, com força de lei, teria sido recepcionado pela Constituição. Face a esse entendimento, jamais se pôs em dúvida, naquela Corte, a aplicação do art. 333-I, e a interposição de embargos de infringentes nos casos aí previstos.

Todavia, uma outra leitura – aliás mais consistente –  é possível: o Regimento Interno do STF não foi recepcionado pela Constituição de 1988, mormente nos casos em que suas disposições não se compatibilizam com a nova ordem constitucional; e de modo algum se pode atribuir, a esse regimento, força de lei.

Assim, inexiste disposição legal admitindo a interposição de embargos infringentes contra decisões proferidas pelo plenário do STF. Logo, mesmo numa perspectiva garantista, não se poderia assegurar, aos condenados na ação penal nº 470, a interposição desse recurso.