por Jânio de Freitas publicado na Folha de São Paulo – 29/08/2013
A história, como está servida, não é convincente. Apesar de muito conveniente à exploração política, que não requer nem escrúpulos, quanto mais coerência dos fatos narrados, para não falar em veracidade.
O desarranjo da história torna ainda mais problemática a demissão sumária do (ex) ministro Antonio Patriota, em decisão de Dilma Rousseff, na melhor hipótese, meramente emocional. O que é incabível em presidente da República. Mas, não é possível deixar sem este registro, decisão descabida também por seu componente de injustiça.
Na explicação de sua atitude, o diplomata Eduardo Saboia associou as condições precárias da saúde de Roger Pinto Molina, que incluiriam alto risco de morte, e as de sua instalação na embaixada brasileira, que comparou ao DOI-Codi.
A referência à saúde fez com que o ministro José Eduardo Cardozo, da Justiça, cuidasse de imediato exame médico do senador boliviano em sua chegada ao Brasil. O senador está bem. Já suas primeiras fotos brasileiras mostraram o roliço próprio dos bem nutridos, corado, cabelo bem aparado, sem sugestão alguma, por mínima que fosse, de trato e condições aquém do devido pela embaixada.
Assim sendo, a respeito da saúde e da comparação com o DOI-Codi, o que passa a interessar são as condições do próprio diplomata Eduardo Saboia, que o fizeram capaz de alegações tão incomprováveis em tão pouco tempo depois de emitidas.
Também resta um interesse secundário. Eduardo Saboia estava como encarregado de negócios brasileiro em La Paz, principal responsável na e pela embaixada temporariamente desprovida de embaixador. As condições de internação do asilado comparáveis às do DOI-Codi eram, portanto, de sua responsabilidade. Tal como a autoridade e o dever de torná-las dignas. Não foram esclarecidos os motivos da omissão, complementada pela viagem (fuga, dizem) temerária, Andes abaixo.
É mais do que duvidoso, ainda, que um diplomata já experimentado e com relações influentes no Itamaraty e no governo (Celso Amorim, ministro da Defesa, por exemplo) não recorresse a providências mais simples e fáceis. E preferisse logo a transgressão radical de suas responsabilidades funcionais, o risco de consequências pessoais e, tão claro no seu caso, o problema diplomático para o Brasil.
Foi dito que tudo veio de inspiração obtida de Deus, na leitura dos Salmos, mas aí já é um nível de relações diplomáticas que não dá para considerar. Podem ser úteis no Juízo Final. Para o raciocínio chão a chão, a história contada não tem o mínimo de coerência para ser admitida. E nem é preciso introduzir, na sua apreciação, elementos objetivos como os interesses à volta do senador Roger Pinto Molina, a área fronteiriça em que tem influências, sua condenação à cadeia, os 13 processos que lhe restam, com uma acusação de homicídio, e sua riqueza.
Nada disso precisa interessar aqui, porque não interessou a Aécio Neves, Eduardo Campos, José Agripino e tantas outras figuras expresssivas que logo associaram o nome e a honra política ao senador boliviano, agradecidos a Eduardo Saboia, seu novo herói, por trazê-lo para a sua proximidade.
A sensibilidade brasileira também está agradecida. A quantidade de comentaristas a revelarem agora sua preocupação com o problema do asilo é característica das grandes questões e dos grandes acontecimentos. Mais tarde, por certo, será explicado por que nenhum emitiu uma só palavra, jamais, de crítica à recusa inglesa de salvo-conduto para Julian Assange deixar seu longo asilo na embaixada do Equador, em Londres. Uma história sem mistérios e coerente.