“Reitor exilado”
“Não adotamos qualquer atitude para obstruir apuração da denúncia.
A humilhação e o vexame a que fomos submetidos — eu e outros colegas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) — há uma semana não tem precedentes na história da instituição. No mesmo período em que fomos presos, levados ao complexo penitenciário, despidos de nossas vestes e encarcerados, paradoxalmente a universidade que comando desde maio de 2016 foi reconhecida como a sexta melhor instituição federal de ensino superior brasileira; avaliada com vários cursos de excelência em pós-graduação pela Capes e homenageada pela Assembleia Legislativa de Santa Catarina. Nos últimos dias tivemos nossas vidas devassadas e nossa honra associada a uma “quadrilha”, acusada de desviar R$ 80 milhões. E impedidos, mesmo após libertados, de entrar na universidade.
Quando assumimos, em maio de 2016, para mandato de quatro anos, uma de nossas mensagens mais marcantes sempre foi a da harmonia, do diálogo, do reconhecimento das diferenças. Dizíamos a quem quisesse ouvir que, “na UFSC, tem diversidade!”. A primeira reação, portanto, ao ser conduzido de minha casa para a Polícia Federal, acusado de obstrução de uma investigação, foi de surpresa.
Ao longo de minha trajetória como estudante de Direito (graduação, mestrado e doutorado), depois docente, chefe do departamento, diretor do Centro de Ciências Jurídicas e, afortunadamente, reitor, sempre exerci minhas atividades tendo como princípio a mediação e a resolução de conflitos com respeito ao outro, levando a empatia ao limite extremo da compreensão e da tolerância. Portanto, ser conduzido nas condições em que ocorreu a prisão deixou-me ainda perplexo e amedrontado.
Para além das incontáveis manifestações de apoio, de amigos e de desconhecidos, e da união indissolúvel de uma equipe absolutamente solidária, conforta-me saber que a fragilidade das acusações que sobre mim pesam não subsiste à mínima capacidade de enxergar o que está por trás do equivocado processo que nos levou ao cárcere. Uma investigação interna que não nos ouviu; um processo baseado em depoimentos que não permitiram o contraditório e a ampla defesa; informações seletivas repassadas à PF; sonegação de informações fundamentais ao pleno entendimento do que se passava; e a atribuição, a uma gestão que recém completou um ano, de denúncias relativas a período anterior.
Não adotamos qualquer atitude para abafar ou obstruir a apuração da denúncia. Agimos, isso sim, como gestores responsáveis, sempre acompanhados pela Procuradoria da UFSC. Mantivemos, com frequência, contatos com representantes da Controladoria-Geral da União e do Tribunal de Contas da União. Estávamos no caminho certo, com orientação jurídica e administrativa. O reitor não toma nenhuma decisão de maneira isolada. Tudo é colegiado, ou seja, tem a participação de outros organismos. E reitero: a universidade sempre teve e vai continuar tendo todo interesse em esclarecer a questão.
De todo este episódio que ganhou repercussão nacional, a principal lição é que devemos ter mais orgulho ainda da UFSC. Ela é responsável por quase 100% do aprimoramento da indústria, dos serviços e do desenvolvimento do estado, em todas as regiões. Faz pesquisa de ponta, ensino de qualidade e extensão comprometida com a sociedade. É, tenho certeza, muito mais forte do qualquer outro acontecimento”. –
No Zero Hora/Diário Catarinense, a notícia de que um bilhete, do qual só um trecho foi revelado, indica a razão do suicídio do reitor da Universidade de Santa Catarina, preso, afastado do cargo e humilhado por supostas irregularidades que, se ocorreram, foram antes de sua gestão, iniciada há apenas um ano.
Diz o jornal que “segundo fonte da Policia Civil, um bilhete foi escrito pelo professor Cancellier, onde teria escrito: “Minha morte foi decretada no dia de minha prisão“.
A pergunta que as pessoas de bem, agora, devem fazer, é a que faz o jornalista (como Cancellier foi, antes de tornar-se Doutor em Direito e pesquisador consagrado, com dezenas de publicações)
Quem matou o reitor da UFSC?
Carlos Damião, no Notícias do Dia-SC
No longo depoimento que me concedeu no dia 20 de setembro de 2017, no escritório de seus advogados, o reitor da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), Luiz Cancellier, desabafou: “É uma coisa da qual nunca vou me recuperar”.
Não se referia apenas à Operação Ouvidos Moucos, desencadeada pela Polícia Federal, com autorização da Justiça Federal, que apura supostos desvios no programa de bolsas de ensino a distância do curso de Administração. Mas à forma degradante como foi tratado quando foi transferido da sede da PF para o Presídio da Agronômica.
“Todos os presos são tratados assim, despidos, constrangidos, com as partes íntimas revistadas. Depois são encaminhados ao pessoal do DEAP (Departamento de Administração Prisional), para serem acomodados nas celas”.
Pós-doutorado em Direito, respeitado no Brasil e no exterior por suas pesquisas no campo do Direito Administrativo, Cancellier estava desolado por causa da forma como ocorreu sua prisão. Com endereço conhecido, disse que estaria sempre à disposição da Justiça e de qualquer investigador da Polícia Federal, da CGU (Controladoria Geral da União) e do TCU (Tribunal de Contas da União). “
“Jamais me recusaria a prestar esclarecimentos e colaborar com as investigações, que não abrangiam nossa gestão, mas as anteriores, desde 2006”, observou. Cancellier disse-me naquele dia que contava com o apoio da comunidade acadêmica, dos amigos e dos familiares. “É com a força dessas pessoas que eu vou provar minha inocência”, declarou. Saímos do gabinete dos advogados e fomos para a rua. Oito meses depois que havia parado de fumar voltou a curtir umas baforadas.
Foi nosso último encontro, fumando dentro do carro, lembrando histórias da nossa juventude, da militância no movimento estudantil, do congresso de reconstrução da UNE, em 1979, do qual participamos como delegados da UFSC.(…)
Quem matou o reitor, um homem apaixonado pelo trabalho, pelo Direito e pela UFSC?
Reproduzo, também a manifestação indignada de uma referência para os jornalistas cariocas, Nílson Lage, mestre me centenas de nós na UFRJ e que, depois, foi professor da Universidade Federal de Santa Catarina, que Cancellier dirigia:
Eis o motivo pelo qual nenhum homem honrado deve assumir cargos de mando em um país dominado por arrogantes bacharéis plenipotenciários.
Os supostos atos ilícitos aconteceram antes de sua gestão; mas bastou a denuncia de um dedo duro para que a polícia o prendesse com ridículo espalhafato.
A mídia de porta de cadeia, que desdenha da honra dos outros, fez o resto.
Destruída a reputação suicidou-se por ela.
Do ponto de vista da meganhada, pode ser até uma confissão.
Para mim, é um grito à consciência desse país refém de justiceiros e malfeitores.
Os canalhas, que não tem honra, não sabem a dor de tê-la ferida.
UNE lamenta falecimento do professor Luiz Carlos Cancellier, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina
É com grande tristeza e pesar que a União Nacional dos Estudantes recebe a notícia do falecimento do professor Luiz Carlos Cancellier, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, recentemente afastado de seu cargo, vítima de uma injusta e arbitrária ação da Polícia Federal.
Em uma operação extremamente duvidosa, e divulgada pela imprensa de forma irresponsável, Cancellier foi preso e liberado no dia seguinte há cerca de 15 dias atrás acusado de desvio de recursos na UFSC e obstrução da justiça. Tanto a administração da universidade, como institutos, professores e estudantes manifestaram seu repúdio à forma com que essa operação foi conduzida, desrespeitando o estado democrático de direito e a presunção de inocência, alegando ao atual reitor possíveis irregularidades, que sequer foram suficientemente apuradas, que podem ter ocorrido em gestões anteriores.
Cancellier, que foi também um militante em sua juventude, e esteve presente no congresso de Reconstrução da UNE em 1979, fora um reitor próximo das pautas e demandas do movimento estudantil brasileiro, especialmente na defesa da universidade pública e de seu papel enquanto fomentadora do debate crítico e político.
Essa situação trágica além de nos entristecer nos preocupa e indigna. Vivemos em um ambiente de sérias perseguições à figuras e lideranças políticas, e a universidade pública passa também a ser vítima desse processo, num verdadeiro desmonte de todas conquistas que tivemos em nosso país.
Nos solidarizamos à toda família, amigos e à comunidade universitária da UFSC e repudiamos toda e qualquer operação policial que não se paute pelo devido processo legal e pelo justo direito de defesa.