por: Gisálio Cerqueira Filho *
Observamos entre muitos um sentimento corrente que fica entre a timidez e a descrença com relação ao MERCOSUL, especialmente no Brasil. Que tal sentimento encontra acolhimento na grande imprensa, ninguém duvida. Alguns acusam fortemente o Brasil de ter transformado um modelo sistêmico que deveria ser de arbitragem por uma espécie de diplomacia presencial paralela. A crítica visa o presidente Luis Inácio Lula da Silva, a presidenta Dilma Rouseff e o ministro Marco Aurélio Garcia. Vez por outra, inclui o ex-chanceler Celso Amorim, hoje ministro da Defesa. Há muitos outros protagonistas em diversos pontos da sociedade política (organismos multilaterais na área de relações internacionais, administração pública, universidades, órgãos governamentais) e também na sociedade civil.
A crítica, entretanto, não é justa.
Avançamos no estabelecimento de uma solidariedade latino-americana nunca vista até então. Curamos feridas nas relações com a Argentina, vizinha e parceira, estabelecendo novos padrões de relacionamento diplomático e político. Acolhemos, por razões de justiça, pleitos da Bolívia referidos ao preço do gás.
É verdade que temos pendente um acordo importante com Europa, ela própria num sufoco sem precedentes em relação à magnitude das mudanças oriundas do estabelecimento da “Casa Europeia”, como gostava de citar M. Gorbachev, ex-dirigente da União Soviética. A crise econômica da atualidade também impactou a Europa.
Todavia, sem grandes atritos com os EUA, avançamos na inclusão de Cuba no sistema latino-americano; cuja exclusão, herança política da guerra-fria, teima em resistir, ainda que por razões ideológicas fundamentalistas. Alguns sequer conseguem tirar as lições da queda do muro de Berlim e da reunificação da Alemanha.
O bravo presidente José Mujica (no Uruguai não há reeleição) que troca por agora as funções de primeiro mandatário pela de senador da República, observa que seria desejável maior flexibilidade para acordos bilateriais entre países e que a crise da Argentina, com reservas colossais, não colabora com o avanço do MERCOSUL. O Brasil é percebido por muitos, e certamente pelo Uruguai, como paternalista. Como gosta de afirmar: o Brasil é um trator rebocando a Argentina. Perguntamos nós: mas os países não devem ajudar-se uns aos outros em situações de dificuldades (e vantagens) recíprocas?
Outro fator que exige atenção e perspicácia econômica é a entrada no mercado internacional latino-americano da República Popular da China. A presença do Brasil nos BRICS, a recente criação do Banco dos BRICS, são a garantia da voz latino-americana ser ouvida nos fóruns internacionais alargados capazes de alcançar a Ásia.
Agora, o presidente uruguaio talvez tenha razão quando critica o setor industrial (burguesia paulista), “muito forte, que custa a entender que não é mais tempo de colonizar, mas sim juntar aliados para construir empresas transnacionais latino-americanas”. (Jornal VALOR ECONÔMICO, 07-11-2014, pág. 12, reportagem de Marli Olmos). Um certo individualismo possessivo, que se transforma em individualismo fóbico (ódio ao gozo do outro), não pode restaurar uma mentalidade colonial que só faz acirrar os ânimos dos parceiros mercosulinos? Haverá exagero em dizer que tal disposição afetiva, de acento elitista e excludente, se manifestou com força nos dias que antecederam o segundo turno das eleições no Brasil?
Mas essas já são águas passadas. Dilma Rousseff viaja para a Reunião do G-20 na Austrália.
Sugestão ao leitor: se tiver oportunidade, coloque uma mochila nas costas e viaje pela América Latina, a diversidade é imensa. Faça as escolhas que forem convenientes, mas exercite os sentidos da visão, da audição, olfato, tato e do paladar latino-americanos. Pratiquemos a verdadeira integração que toda viagem proporciona ao viajante: o contato efetivo e afetivo com a diversidade latino-americana pode ser um importante pré-requisito para políticas públicas na área da cultura. E que elas sejam capazes de soldar relações solidárias que façam impulsionar o MERCOSUL.
A inserção competitiva em cadeias produtivas internacionais de valor tem sido inviabilizadas pelo projeto ALCA por razões mais que conhecidas.
E se um MERCOSUL robusto vier a ser parceiro efetivo da Alcap (Área de Livre Comércio da Ásia-Pacífico) a ser criada em breve?
Nesse caso, ao menos, o Brasil não poderá via a ser acusado de nada, pois não está na Ásia, nem é banhado pelo Oceano Pacífico…
* Gisálio Cerqueira Filho é Professor Titular UFF. Ex-presidente do Forum Universitário do Mercosul (FoMERCO)