Caça às bruxas
Por: Luiz Fernando Vianna
Folha de São Paulo, 26/09/2014
RIO DE JANEIRO – Uma jovem comete um ato condenado pela Igreja e proibido pelas leis. É morta, queimada, tem dentes, braços e pernas arrancados. A cena não se passa na Idade Média, mas em agosto de 2014, no Rio de Janeiro.
Jandira Magdalena dos Santos Cruz tinha 27 anos, uma filha e decidira não gerar o fruto de uma relação efêmera. Pagou R$ 4.500 para morrer numa pocilga destinada à realização de abortos.
Dias depois, Elizângela Barbosa, 32, três filhos, morreu em Niterói (região metropolitana do Rio) ao tentar interromper a quarta gravidez. Levara R$ 2.800. Com um tubo plástico no útero, seu corpo foi abandonado num hospital público.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, uma mulher morre a cada dois dias no Brasil por abortos mal feitos. Repetindo: uma mulher a cada dois dias.
Citado pelo jornal “O Globo”, estudo feito com base no Data SUS pelos pesquisadores Mario Giani e Leila Adesse informa que houve no país 205.855 internações em 2013 resultantes de complicações em abortos. Mais de 680 mil procedimentos clandestinos foram realizados.
De acordo com a Pesquisa Nacional de Aborto, 20% das mulheres até 40 anos já fizeram um. Quem tem dinheiro faz com segurança. Quem não tem vai para o abatedouro. Racionalidade econômica: reduz-se a pobreza exterminando pobres.
Nas campanhas eleitorais, o tema só surge para reforçar o tabu. Em 2010, José Serra enxovalhou sua biografia falando em “valores cristãos” para pregar contra o aborto. Depois se descobriu que sua mulher já fizera um. Em 2014, por dogmatismo, pragmatismo ou mera covardia, os principais candidatos fogem do assunto. São cúmplices da carnificina.
Em nome do sagrado direito à vida, mulheres morrem. Faz lembrar Millôr Fernandes: “Deus é bom. Está é muito mal cercado”.