O cenário pré-eleitoral parece repetir o que vimos nas últimas três eleições presidenciais. O PSDB, a persistir na linha de centrar a campanha no ataque ao PT, encaminha-se para mais uma derrota. No plano nacional, um líder, um partido, uma ideologia, devem ser portadores de esperança, de programa de governo, de um projeto para o País. O bipartidarismo acabou. No sistema pluripartidário ninguém assegura que o partido que concentre suas forças na desconstrução da imagem do governo será o principal herdeiro do resultado eleitoral desse trabalho. Que esperança traz para o povo o discurso simplista de derrotar o ”petismo”? A luta política encaminhada dessa forma tem o ranço de ideólogos conservadores. Enquanto usam o antipetismo como propaganda, Dilma aparece como portadora da esperança de acabar com a miséria em seu governo e monopoliza o discurso de quem se preocupa com os pobres, com a justiça social.
O que se viu nas eleições passadas foi a vitória de um forte discurso popular de compromisso com grandes programas de inclusão social. O que garantiu a fidelidade popular ao PT nas duas últimas eleições presidenciais, apesar da forte campanha negativista (“do contra”) da oposição, foi esse posicionamento político em favor dos mais pobres.
Alguns opositores, cegos para seu descompasso com a nova realidade brasileira, confundem sua incapacidade de reverter esse quadro, que os afasta cada vez mais de um projeto de poder, com uma pretensa crise de nossas instituições democráticas. Não é o nosso sistema democrático que se está inviabilizando, como acusam os neoudenistas, brandindo a velha arma, sempre desembainhada pelos que resistem à emergência dos movimentos populares. Não lembram, ou fingem não lembrar, que, no Brasil, só três presidentes eleitos pelo voto direto passaram a faixa para um sucessor consagrado também em eleições diretas (serão quatro quando Dilma Rousseff transmitir o cargo para o presidente que será eleito no próximo ano). Quando discorrem sobre a falência de nossas instituições, falam como se tivéssemos sido uma Suécia até a primeira eleição de Lula. No entanto, nunca as instituições democráticas foram tão fiscalizadas quanto agora, nunca a desigualdade social se reduziu tanto, nunca as liberdades foram tão amplas quanto agora. Falsificam a história quando dizem o contrário. Querem voltar ao passado? Talvez, porque no passado o que se esperava era que o povo seguisse a opinião dominante, ou melhor, das classes dominantes. O povo na hora de votar, dizem uns críticos, “pensa no seu bolso” (seria mais bem dito, na sua Bolsa Família, para não citar outros tantos programas de combate à pobreza).
A elite vê isso horrorizada, como se nunca pensasse em seus interesses. A diferença é que seus interesses são defendidos à custa do aumento da desigualdade entre os brasileiros, a tal ponto que seus representantes quando concebem programas sociais sempre o fazem de forma a quase os reduzirem a ações de caridade.
Darcy Ribeiro disse algo fundamental para compreender o Brasil de hoje: “O Brasil, último país a acabar com a escravidão tem um perversidade intrínseca na sua herança, que torna a nossa classe dominante enferma de desigualdade, de descaso”.
Presa a essa ”enfermidade” e tendo perdido as condições de controlar ao bel-prazer a opinião pública, a oposição tem como única estratégia tentar derrotar o campo popular pelo apedrejamento. Como sempre, a realidade socioeconômica muda mais rapidamente do que a cultura, e a cultura da nossa elite não consegue se curar desse mal. Nem em nome de uma possível campanha vitoriosa ela abandona sua tradição de ficar de costas para o povo. Não é incompetência de “marquetólogos”, é coerência com essa herança perversa que Darcy Ribeiro descreveu.
Leve-se em consideração também que os chamados “formadores de opinião” perderam força. Não conseguem mais desempenhar um papel decisivo em prol do conservadorismo. Na atualidade, o povo está “se lixando” para o que pensa a elite. Como resultado do fortalecimento da democracia, dizia o publicitário Cid Pacheco, é muito mais apropriado se falar em “líderes de opinião” – aqueles que, antes de tudo, representam, lideram movimentos, setores, camadas, classes sociais – do que em “formadores de opinião”, conceito que passa a ideia de que poucos, utilizando os aparatos ideológicos, especialmente a mídia, podem inculcar suas opiniões na “plebe ignara”.
Entretanto – é lugar-comum dizer – “na política não existe espaço vazio”. Com o discurso à direita em frangalhos, o sistema pluripartidário enseja outras alternativas de poder. Mas os partidos de esquerda que pensam numa possível disputa com o PT, se coerentes com sua trajetória, não podem cair na tentação de ocupar o espaço vazio deste momento político com o discurso antipetista, quando é exatamente ele que se esgota, como ideologia e como propaganda. Para esses partidos, como é o caso do PSB, que desejam disputar as próximas eleições presidenciais pensando em sua própria identidade partidária e em sua legítima aspiração pela hegemonia, só resta o caminho de construir um programa de governo para aprofundar a democracia e acelerar o processo de inclusão social com mais e melhores programas de erradicação da pobreza no contexto de um crescimento econômico sustentável. Mas, mantida essa coerência, resta um grande problema eleitoral. Dizer que se vai avançar ainda mais não elimina a pergunta: como ser candidato a continuador do governo Dilma com ela candidata?
Jaime Cardoso