Entrou em cartaz no Rio esta semana o filme “Uma noite de 12 anos”.
É imperdível para qualquer pessoa que tenha um mínimo com sensibilidade humana.
Em meus quase 70 anos, talvez nenhum filme tenha mexido tanto comigo.
Uma co-produção uruguaia, argentina, espanhola e francesa, dirigida pelo hispano-uruguaio Álvaro Brechner, o filme foi indicado pelo Uruguai ao Oscar. No festival de Veneza, depois de exibido, recebeu uma ovação de quase meia hora.
Ele é baseado no livro “Memorias del calabozo”, não editado em português, mas que pode ser encontrado em sebos e no Estante Virtual.
Conta a saga de três dirigentes tupamaros, dentre os nove classificados como “reféns” pela ditadura militar uruguaia e que, no mundo moderno, receberam um tratamento só comparável ao existente nos campos de concentração nazistas.
Dois dos três dos dirigentes cuja história é retratada no livro – Maurício Rosencoff, hoje escritor; e Eleutério Fernandez Huidobro, falecido em 2016; depois de ter sido ministro da Defesa do governo Pepe Mujica – são seus autores. O terceiro preso retratado é o próprio Mujica, ex-presidente do Uruguai, que não teve condições de se dedicar à redação do livro.
Aos presos considerados reféns os gorilas dedicaram um tratamento especialmente cruel. Não se tratava apenas de tentar extrair deles informações para o combate aos Tupamaros, mas de tentar destruí-los física e moralmente.
De fazer deles trapos humanos.
Espancados e torturados, foram mantidos durante 12 anos em calabouços em que não havia sequer vasos sanitários ou acesso a água, tendo que dormir no chão. Ficaram todo esse tempo sem banho e isolados de todo contato, seja com outros presos e seja com qualquer ser humano (inclusive os militares carcereiros).
Alguns dos locais em que foram mantidos eram poços secos, nos quais alimentos eram baixados, para serem comidos com as mãos,. Os dejetos (fezes e urina) eram içados, também por cordas.
É algo só visto na Idade Média.
O que torna o filme mais impactante é que ele não é só, nem principalmente, uma impactante denúncia. Claro que não poderia deixar de ser isso também, mas a impressão que tive é que esta não é a principal preocupação de seus autores. Ele é centrado na luta dos três presos para não enlouquecer e manter sua humanidade, apesar de tudo.
Assim, separados por paredes e sem se ver, dois deles inventam um código que permite comunicar-se com pancadas nas paredes e, até, disputar partidas de xadrez imaginando tabuleiros.
“Nós nos agarramos à vida como uma planta trepadeira se agarra à parede. Se era necessário comer moscas, que para nós eram como passas com asas, comíamos moscas – disse Rosencoff na apresentação do filme em Buenos Aires.
Um dos momentos mais impactantes do filme é quando saem do isolamento absoluto e um deles é deixado sozinho por alguns instantes no pátio interno de um presídio, podendo ser visto por centenas de presos políticos que se amontoam nas grades de janelas das celas e o ovacionam. O preso, “Ñato” (Fernandez Huidobro), entra em transe, se imagina num campo de futebol e, sob aplausos gerais, dança, corre, gesticula e comemora, como se estivesse driblando adversários e fazendo gols imaginários.
Esse caráter tocante e delicado e a capacidade de expressar, de forma radical, a luta pela humanidade (que, em proporções menores é a luta de um torturado que, para manter a sua humanidade, se recusa a dar informações aos carrascos) é o mais impactante no filme.
Eu diria mesmo que “Uma noite de 12 anos” é uma ode à vida.
Não à toa quem o assiste chora.
Ele mostra que a Humanidade pode vencer.
E que, naquele episódio, apesar de tudo, venceu.