por: Sérgio Sérvulo da Cunha
Pedem-me que escreva sobre a eleição de Trump.
Não sendo especialista em política norte-americana, o que escrevo é sob reserva. O que exponho não é uma visão abrangente, mas alguns aspectos que, na minha modesta perspectiva, compõem a realidade.
A primeira tentação é associar Trump a Hitler. Não pretendo fazê-lo, embora seja cabível.
Parece-me mais adequado indicar algumas semelhanças entre a eleição de Trump e a ascensão de Hitler ao poder, em 1933. Hitler foi nomeado chanceler do Reich (1º ministro) após o partido nazista haver conseguido aproximadamente 1/3 dos votos. Trump é eleito presidente no colégio eleitoral, tendo perdido, por ligeira diferença, no voto popular.
A semelhança principal está na mensagem que, provinda de ambos, foi aprovada pela população (segundo o modo vigente de escolha): ambos falaram ao orgulho nacional.
A situação da Alemanha, naquela época, apresenta alguns pontos de contato com a situação dos EUA hoje. Os EUA, hoje, pagam pela crise econômica de 2008, e sofrem com a queda de oportunidades; nessas circunstâncias, os brancos, protestantes, e os homens de colarinho branco dificilmente podem aceitar a concorrência dos cucarachas.
A Alemanha, naquela época, além da crise de 1929, de que resultou brutal inflação, sofria com o pagamento das indenizações de guerra, e com as restrições provenientes do Tratado de Versalhes.
Uma diferença ressalta: Hitler identificou e indicou, para o povo alemão, os seus inimigos: os aliados, vencedores na 1ª. guerra, e os judeus. Se Trump quiser trilhar os caminhos de Hitler, logo escolherá seus inimigos. Não há guerra sem ódio e exaltação de ânimos, e não há exaltação de ânimos sem a identificação de um inimigo.
Existe, entretanto, um contexto mais amplo e mais explicativo do que esse, que se encontra, a meu ver, na emergência do neoliberalismo.
Embora tenham sido sempre imperialistas, há muito os EUA deixaram de se identificar com a América – o sonho dos colonizadores, que se transformou no sonho dos imigrantes no século XIX e início do século XX – e com a democracia do New Deal, que salvou, do nazismo, o ocidente.
O capitalismo, que de competitivo se tornou monopolista, completou sua internacionalização e financeirização. A diminuição das taxas de lucro provocou essa exasperação chamada neoliberalismo, que busca novas fontes de lucro na exploração de bens fora do comércio, na exploração de bens públicos, na flexibilização das relações de trabalho e na maquinização da sociedade.
Os resultados, para o ser humano, são devastadores. Segundo pesquisa, efetuada em 2015, pela International Stress Management Association no Brasil (Isma-Br), que atua em doze países, de mil profissionais consultados, 89% apresentaram ansiedade, 83% angústia e 78% preocupação, no ou quanto ao exercício de suas funções. Esse me parece um fato mais significativo do que a crise econômica, do que o desgaste do sistema eleitoral-partidário, do que a militarização e do que a degeneração moral da política.
Não sabemos o que pode acontecer quando fatores dessa natureza se reúnem (a analogia que primeiro ocorre é a queda do império romano). O que sabemos é que, com Trump na presidência, o discurso se ajusta à prática, e passa a representar o perfil moral do país.