Em 1992, Marcello Lavenère, então presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) assinou, com Barbosa Lima Sobrinho, o pedido de impeachment do ex-presidente Fernando Collor (hoje no PTB e no PRN à época).
Lavenère, hoje aos 77, vê diferenças entre a situação de Collor e de Dilma e diz haver pré-julgamento no caso da petista, em tramitação.
Folha – Hoje fala-se em medo de que o processo de impeachment paralise o país. Havia o mesmo sentimento em 1992?
Marcello Lavenère Talvez em 1992 esse medo fosse menor porque a economia não passava pela mesma dificuldade que passa agora. Não é que estivesse nadando em um mar de rosas, mas não havia essa crise mais aguda que nós estamos vivendo, após 12 anos de estabilidade.
Isso aumenta as chances de o pedido atual seguir?
A presidente Dilma tem o direito de dizer que essa não é uma crise causada por um comportamento irregular dela. No caso do Collor, o próprio presidente da República era o acusado de praticar coisas ilícitas. O Congresso criou uma CPI, Collor teve amplo direito de defesa. No fim, foi feito um relatório, aprovado por unanimidade, apontando que o presidente cometeu ilícitos. Ninguém pediu impeachment antes do fim da CPI.
Como o sr. entrou no processo?
Recebi uma visita dos senadores Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Pedro Simon (PMDB), e dos deputados Vivaldo Barbosa (PDT) e Aldo Rabelo (PC do B). Pediram que eu assinasse o impeachment. Simon disse que, vindo deles, seria visto como disputa política. O Conselho Federal da Ordem autorizou.
Collor renunciou pouco antes do fim do processo. Pegou vocês de surpresa?
Na manhã do último dia do julgamento, a sessão abriu, e o advogado do Collor apresentou a renúncia. O vice-presidente, Itamar Franco, foi empossado. Criou-se uma indagação: agora que temos um novo presidente, o processo vai terminar? O processo continuou por causa da pena secundária, de inelegibilidade por oito anos.
E por que o sr. acredita que a situação é diferente hoje?
Há posição pré estabelecida contra a Dilma antes de qualquer julgamento. Em janeiro, quando ela tinha 15 dias de governo, o PSDB pediu um parecer ao jurista Ives Gandra Martins. Não era possível que com 15 dias de governo já houvesse a presidente da República cometido tamanhos desvarios que já justificassem o impedimento. O impeachment não é para luta política. O que ela fez? Roubou? Recebeu propina? Recebeu vantagem ilícita? Perdeu o decoro do cargo? Cometeu algum dos ilícitos que estão contidos na Constituição e na Lei do Impeachment? Não. Vamos arrumar uma desculpa aqui: pedalada fiscal.
E a edição de decretos para aumentar o orçamento?
Nesta semana o Congresso mudou a meta fiscal e, com isso, excluiu qualquer alusão a pedalada neste ano. O argumento de que houve manobra em 2015 desaparece. Resta a acusação do ano passado. Mas, pela doutrina do STF e pelo direito constitucional, o fato de outro mandato não compromete o atual.
O sr. não acredita que isso poderia ser revisto?
O instituto do impeachment não é de uso frequente. O princípio é: os atos irregulares cometidos por alguém que tenha um mandato podem acarretar a perda desse mandato. Se a Dilma tiver roubado em 2014, matado, cometido toda a sorte de crimes, ela pode responder penalmente, pode ficar inelegível. Mas o mandato que ela tem agora não é contaminado.
Com a crise política, o impeachment pode acontecer?
Eu poderia dizer que tudo pode acontecer. Mas imagino que vá ser improvável. Não estou preocupado em defender o mandato da Dilma. O que me preocupa é a regularidade e o respeito às instituição republicanas, à democracia e ao futuro do país.