Aos 80 anos e de volta à Câmara após um afastamento por motivos de saúde, a parlamentar classifica a supremacia de Cunha como “fundo do poço”, mas não perde esperança
Afastada por quase dois meses da Câmara dos Deputados por problemas de saúde, Luiza Erundina (PSB-SP) retorna a um Congresso conflagrado por pautas que vão do ajuste fiscal à redução da maioridade penal. Nada que assuste a uma das mais presentes figuras da política brasileira nas últimas décadas. Aos 80 anos, em seu quinto mandato como deputada federal por São Paulo, Erundina continua a ser voz respeitada no parlamento, respaldada por uma trajetória de mais de 40 anos de vida pública e mais de dez milhões de votos conquistados ao longo de treze disputas eleitorais.
Na entrevista a CartaCapital, a parlamentar analisa o momento do Congresso sob a presidência de Eduardo Cunha, opina sobre a gestão Dilma Rousseff e a respeito das articulações políticas envolvendo o ex-presidente Lula. Fala ainda de seu desconforto no PSB, da relação com nomes ligados ao partido, como Marta Suplicy e Marina Silva, e comenta seu engajamento em um novo movimento político.
CartaCapital: A senhora diz que é preciso mudar a cultura política. A reforma encaminhada pelo Congresso cria um ambiente de mudança ou mantém a estrutura político-partidária de hoje?
Luiza Erundina: Não só mantém, mas piora. Não se trata de uma reforma, são remendos na legislação eleitoral, que agravam as distorções. O quadro partidário está exaurido, as legendas perderam sua identidade. A relação entre os poderes está completamente esgaçada. É uma uma crise sistêmica do Estado brasileiro e do sistema político, que necessitaria de uma reforma profunda, democrática e corajosa. Uma das principais causas da corrupção eleitoral é o financiamento privado de campanha e ele não só está mantido, mas passa a ser constitucionalizado. A crise política e institucional é de uma gravidade que eu nunca vi durante o tempo que estou na política.
CartaCapital: A senhora já esteve no Congresso sob a presidência de políticos como Michel Temer, Arlindo Chinaglia ou Severino Cavalcanti. Como é atuar sob a presidência de Eduardo Cunha?
Luiza Erundina: São nunces de um mesmo modelo, mas faz diferença. Os presidente do PT não fizeram diferença nenhuma, lamentavelmente. O Temer é uma pessoa com quem a gente convivia bem. Mas, hoje você tem uma conjuntura desfavorável para quem quer mudança. A gestão do Cunha, influencia não só no plenário, mas nas comissões, dominadas por conservadores. Os espaços onde conseguíamos interferir não existem mais. Entramos numa fase de resistência. É resistir para não desaparecer. Se chegou ao fundo do poço, mas, sou otimista, dependendo do que a gente faça, do diálogo com a sociedade, com os movimentos. Isso dá vitalidade aos nossos mandatos e a esperança de que essa representação seja uma ferramenta de luta dos trabalhadores.
CartaCapital: Falando em posicionamento, de que lado está a presidenta Dilma?
Luiza Erundina: Não tem lado nenhum, o pior é isso. O governo está sem rumo, não tem diálogo com o Congresso. A presidente tem aberto mão do seu poder. Transferir para alguém a articulação política é esvaziar o mandato, ela não poderia ter feito isso. Entendo que é o fim de um ciclo iniciado na luta de resistência, que culminou na criação do PT e chegou ao auge na primeira eleição do Lula. Na segunda eleição dele, a coisa foi diferente. Não são governos a serviço de avanços democráticos, muito menos o da Dilma. São gestões autoritárias, que contribuem para desarticular os movimentos. O sindical está domesticado, não se pode mais contar com o movimento na luta política, nem econômica. E na Câmara passa tudo o que o Cunha quer.
CartaCapital: Nesse cenário existe espaço para uma volta de Lula em 2018, com chances de vitória?
Luiza Erundina: Vai depender do que acontecer, por exemplo no processo da Lava-Jato, mas o Lula ainda é uma referência. A meu ver, não é mais aquele Lula de 1989, ele teve que fazer muitas concessões. Não estou falando em concessões éticas, não posso afirmar nada sobre isso e nem acredito que o Lula tenha se envolvido de alguma forma. A figura, a liderança dele, o papel social histórico não é mais o mesmo, está muito desgastado. Ele é ainda um potencial candidato, competitivo, mas não com aquela força que teve nas últimas eleições. Corre sérios riscos de não se eleger.
CartaCapital: A senhora apoiaria a candidatura do Lula?
Luiza Erundina: Depende de como ele esteja, e de como estarão as esquerdas. Temos de reaglutinar as esquerdas. Tento fugir da opção individual, de uma figura. Se ele vier numa rearticulação das forças progressistas que pensam o país, têm uma visão nacionalista, preservam o patrimônio público e tem apreço pela democracia, eu embarco nessa canoa. Inclusive, está se falando em uma frente de esquerda, mas não só de esquerda, e, sim, plural, para reagir a esse momento do país. Isso pode suscitar, a médio prazo, em um partido com força política mais ampla, representativa do conjunto da sociedade. Aí embarco junto. Mas não mais ele individualmente, não mais ele e o PT, somente. O PT como proposta se esgotou.
CartaCapital: Como a senhora vê o atual momento da senadora Marta Suplicy, que deixou o PT para filiar-se ao PSB, repetindo um movimento que a senhora fez na década de 90?
Luiza Erundina: A Marta é uma liderança, tem um papel, mas pertence a um outro modelo, até pela sua origem de classe, pela forma de ser dela na política. É uma referência no Senado, embora eu não concorde muito com as posições dela, e mesmo a forma como saiu do PT. Marta teve todas as oportunidades no PT, foi deputada, senadora, ministra duas vezes e saiu da forma como saiu, magoada pois o partido não lhe deu a legenda para concorrer a prefeita de São Paulo ou a governadora. No fundo, ela tem um projeto muito pessoal, e a filiação ao PSB explica-se pelo momento que nosso partido vive, também desviado de seus compromissos históricos de uma concepção socialista de politica.
CartaCapital: A senhora se sente desconfortável no seu partido, o PSB?
Luiza Erundina: Eu não me sinto no partido, não me identifico mais com o PSB, essa é a verdade. Tenho um mandato pelo partido e quero cumpri-lo. Sigo, no possível, as orientações, mas o PSB não é aquele para onde eu migrei. Quando saí do PT, dizia estar mudando de casa, não de rua. A rua é o socialismo, que eu imaginava existisse no PSB. E existiu nas pessoas, em outro momento, mas, sobretudo a partir do segundo turno das eleições presidenciais de 2014, com a mudança na direção, o partido não é mais o mesmo. A fusão com o PPS, sem nenhum critério, a política de alianças, que envolve todo mundo, como os Bornhausen, descaracterizam e comprometem a identidade do partido. Não pode se desvirtuar tanto, senão fica igual ou pior do que aquilo que a gente considera o conservadorismo, o reacionarismo, a ausência de democracia.
CartaCapital: Ao final do mandato, que se encerra em 2018, avalia a perspectiva de mudança de partido?
Luiza Erundina: Nós estamos construindo um projeto alternativo com muitos jovens, professores, pessoas da universidade, que é a Raiz, uma proposta inspirada no Podemos da Espanha e no Syriza, da Grécia. Aos 80 anos estou muito mobilizada. Não tem importância que o movimento não seja um partido em 2016 ou 2018. Estou com esse grupo criando um espaço democrático, num certo sentido radical, daí a palavra raiz, inspirada na cultura ubuntu da África e indígena no Brasil. É uma concepção muito bonita do ecossocialismo, da relação harmônica entre homem e natureza. Mantenho meu mandato, ao qual me dedico muito seriamente a maior parte do tempo, e tento influenciar no esforço que essa juventude está fazendo. Essa perspectiva me anima, me faz feliz ao fazer política.
CartaCapital: Como é a sua relação com Marina?
Luiza Erundina: Me decepcionei com a Marina sendo coordenadora da sua campanha pela falta total de diálogo. Não tive influência como coordenadora e representante de uma força politica. Ela é muito fechada, e do ponto de vista ideológico tem dificuldades, até pela opção religiosa que fez, radical do ponto de vista moral e comportamental. Isso contraria a concepção socialista de mundo, de ser humano. Mesmo tendo popularidade, falta a ela uma identidade clara. Não vejo mais a Marina como alternativa.
CartaCapital: Quais outras mulheres políticas a senhora destaca?
Luiza Erundina: Tem muitas companheiras interessantíssimas despontando, jovens lideranças. Acredito na força de mulheres como Jô Moraes (PCdoB-MG), Jandira Feghali (PCdoB-RJ), Maria do Rosário (PT-RS), Carmen Zanotto (PPS-SC), Luciana Genro (Psol) e Janete Capiberibe (PSB-AP). São lideranças que se completam, e, graças a elas, conseguimos marcar alguma posição aqui dentro. Me inspiro nelas, no movimento feminista e na luta das mulheres na periferia. A força do meu mandato está aí.
CartaCapital: Aos 80 anos e com toda a sua trajetória, considera a sua voz ouvida no parlamento?
Luiza Erundina: Não sei se suficientemente, mas sou respeitada por todas as forças, a não ser pelos bolsonaros da vida, aí o antagonismo é absoluto. Sou considerada porque eu não mudo, as pessoas conhecem minhas ideias. Minha referência na política é o socialismo entendido como concepção de Estado, de vida, como a proposta para a humanidade. Claro que não vai ser no meu tempo, mas o apelo dentro do ser humano e pelo o que a história já nos ensinou, não tenho dúvida de que o socialismo é o caminho para uma sociedade civilizada, democrática, realizadora da felicidade humana.
Luiza Erundina