por: Eleonora de Lucena

O sociólogo Chico de Oliveira em sua casa, em São Paulo

O sociólogo Chico de Oliveira em sua casa, em São Paulo

A crise parece muito grande, mas não é. O Brasil vai voltar a crescer, tem uma economia privilegiada e será uma sociedade mais igualitária. A burguesia do país é muito autoritária, mas seu jogo não vai prosperar. Os panelaços não terão continuidade. “A sociedade não aguenta mais ver a demissão de 2.000 pessoas”.

A análise é do sociólogo Francisco Maria Cavalcanti de Oliveira, 81. Para ele, o país vive como em um baile, onde tudo está em movimento, o que gera sensações de pressa e angústia. “Isso é ótimo. A pior coisa é a estagnação”. E é preciso lutar pelo poder.

Fundador do PT e do PSOL, professor aposentado da USP e autor de clássicos como “A Economia Brasileira: Crítica à Razão Dualista” (1972), ele condena a ausência de ousadia dos últimos governos. “Brizola é o grande político que falta no Brasil. Falta alguém com audácia”, diz.

Crítico do lulismo, que classifica como um movimento conservador, avalia que é possível, mas não provável, a derrota do partido em 2018. Na sua visão, Lula vai precisar se realinhar de forma radical, fazendo política de forma mais contundente, ou os tucanos voltarão ao poder. “Se houver um desastre e o PT for desalojado do poder, as burguesias nunca mais se esquecerão disso. Vão tentar manter o PT afastado”, declara.

Nesta entrevista, concedida na sua casa na Vila Romana, em São Paulo, Chico de Oliveira fala de seu projeto para um novo livro. Quer tratar do que identifica como chances perdidas pelo lulismo, que deveria ter ampliado muito mais os benefícios sociais. “Erraram. Foi um sonho que poderia ter sido e não foi em toda a sua intensidade”, afirma.

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Folha – O que está acontecendo no Brasil?
Francisco de Oliveira – As posições se acirraram porque tem o PT de um lado e os tucanos de outro. Todo o meio desapareceu. PDT, PPS, os democratas, outros partidos praticamente desapareceram. A consolidação de posições que são opostas dá essa sensação de que está tudo muito ruim, mas não está não.

O que há de bom nessa conjuntura?
Bom seria um exagero. É uma conjuntura cíclica, que vai e volta. A crise parece muito grande, mas não é. A concentração da crítica na Dilma é fogo de palha. Nem ela mesma tem o controle do partido dela. O controle ainda é do Lula. Mas Lula não é homem de partido, ele é muito personalista.

Há choque entre Lula e Dilma?
Vai haver sempre. Porque Lula elegeu a Dilma para ser um pau mandado. Mas, quando se chega à Presidência, a regra do pau mandado não vale. Ela tem pouco jogo de cintura político, tem que ouvir muito. O poder fica muito diluído.

Qual sua avaliação do governo Dilma? O que ela faz de bom e de ruim?
Nem nada de muito bom nem nada de muito ruim. É um governo médio e medíocre. Ela não é responsável pelos grandes males do país nem tem solução para esses grandes males. É uma presidente fraca. Votei com convicção nela nas duas vezes e não estou decepcionado. Ela me pareceu ser mais de acordo com as minhas percepções. O governo não tem quase respostas para nada, mas não faz o programa do PSDB. É um programa quase óbvio. Vai empurrando com a barriga. Felizmente, apesar de governos fracos, a tentação autoritária não está voltando.

A ascensão de movimentos mais conservadores nas ruas e no Congresso lhe preocupa?
Não me preocupo porque os tucanos não são populares. Eles não conseguirão galvanizar essa tentativa de desestabilização com apoio popular. Os tucanos sempre evitam recorrer às ruas. Panelaço não é o povo quem faz. Esse tipo de movimento não tem continuidade. Já o PT não pode mover-se com a facilidade que tinha antes de ser governo. Não acredito que o PT tenha solução para nada.

Há uma ascensão da direita?
Não vejo. A direita existe mais na imprensa do que no movimento real de setores da população. A sociedade brasileira é muito diversificada e não comporta uma direita extremada. Existe uma polarização entre os muito ricos e muito pobres. Mas esses dois segmentos não fazem política. A polarização se dá em picos. A linha de continuidade é muito por baixo e muito fraca. Os picos parecem nos espantar. A discussão do impeachment não vai para frente. Renan Calheiros e Eduardo Cunha são fracos. Se fosse com o Ulysses Guimarães, a senhora Dilma estaria dançando miudinho.

Como o sr. analisa a situação do Brasil no mundo?
O Brasil é área de disputa muito forte. É a sexta economia mundial ou algo nessa dimensão. É muito bom fazer negócios aqui, especialmente num momento em que EUA e Europa estão mais ou menos estagnados. A Índia é muito pobre. Na China, ou os negócios passam pelo Estado ou não passam. O Brasil é uma ilha de muita liberdade empresarial. Não tem muita regulação. Salvo em setores muito vulneráveis, se faz qualquer negócio em qualquer parte. O Brasil cresce. Agora está patinando, mas é só uma patinação. Esse ciclo é passageiro; haverá reativação. O Brasil não é um país condenado ao esquecimento. É por isso que é preciso lutar.

Lutar como e para quê?
Pelo poder. Numa sociedade estagnada a luta é mais fácil. Aqui, não. Aqui é como um baile: está tudo em movimento. Dá uma sensação ao mesmo tempo de pressa e de angustia. Porque você nunca está sossegado. E isso é ótimo. A pior coisa é a estagnação. É preciso andar para dar um mínimo para a população mais pobre. Não se pode mais deixar milhões sofrerem com necessidades básicas. Isso não existe. É preciso jogar a bola para frente –e correr atrás dela.

O perfil desse governo é mais protecionista ou liberal?
O governo não sabe se definir em relação a isso. Não sabe se é protecionista ou livre cambista. Vem de uma herança pesada. FHC jogou para destruir regras de proteção, fez um jogo liberal. O que não era esperado, pois sua tradição era pela esquerda. Lula não puxou para a esquerda. Daí vem a indefinição do governo federal, que prossegue com Dilma.

Reajustes reais do salário mínimo, Bolsa Família não são pontos de um governo de esquerda?
Sim, comparando com outros. A ironia é que são medidas capitalistas. Moro num prédio de classe média, onde quem trabalha na portaria já tem carro. É um índice de êxito do capitalismo, até certo ponto. Só um socialista louco –como já fui; hoje sou apenas socialista– para achar que eles não melhoraram de vida. Melhoraram extraordinariamente.

O sr. já afirmou que as esquerdas no Brasil, desde os tempos do auge do PC, passando pelo PT e pelo PSOL, nunca conseguiram ter um projeto para o país. Por quê?
As esquerdas são muito brasileiras: tendem mais à conciliação do que ao conflito. É da formação da sociedade e do Estado. As esquerdas também são muito conservadoras. Na redemocratização, em 1945, o projeto do PCB para o petróleo era privatista. Seguia a linha de aprofundar o capitalismo para criar condições para o socialismo. Esquerda e nacionalismo convergiram numa certa fase. A atual esquerda não tem projeto. Lula nunca teve; Dilma também não tem. O PT não sabe o que é o Brasil, não tem um projeto para o país. Está superado. Não vai acabar, mas não tem nada a dizer a respeito do desenvolvimento do Brasil. Vai empurrando com a barriga. É o partido da ordem.

Seu diagnóstico de esgotamento do PT significa previsão de derrota do partido em 2018?
É possível, mas não é provável. Quando jogo for pesado, Lula vai ter que se realinhar. De forma até radical, o que não é do estilo dele. Ou Lula volta a fazer política de forma mais contundente e mais consistente ou se prepara para entregar o queijo para os tucanos. Lula vai ter que ser mais partidário e retomar a militância política. Vai precisar dar apoio a Dilma para que o mandato não tenha um desenlace que caia em cima dele. Se houver um desastre e o PT for desalojado do poder, as burguesias nunca mais se esquecerão disso. Vão tentar manter o PT afastado.

Há personalidades alternativas?
Brizola é o grande político que falta no Brasil. Governou dois Estados (o RJ duas vezes). Não tem ninguém com esse perfil, com essa audácia. Falta alguém com audácia.

Como o sr. enxerga o Brasil a longo prazo?
Vai caminhar para ser uma sociedade mais igualitária. Não é otimismo. Em geral, a obrigação do cientista social é ser pessimista. Nenhuma sociedade aguenta o nível de desigualdade que se produziu no Brasil. Há pressão da população. Não existe manter 200 milhões de pessoas sob o jugo da desigualdade, reprimida por inteiro. No longo prazo seremos mais igualitários. A democracia está ao alcance das mãos; não é um sonho utópico e é necessária. Menos para os democratas e mais para os não democratas. Quem estiver jogando jogo autoritário não vai aguentar. A burguesia brasileira é muito autoritária. Mas hoje a sociedade não aguenta mais ver a demissão de 2.000 pessoas. Ela não permite. As empresas não são mais donas absolutas do jogo econômico social e político. Têm que prestar contas à sociedade. O confronto deslocou-se do âmbito de empresas e sindicatos para a sociedade.

Como avaliar politicamente essa fração da população que ascendeu nos últimos anos?
Ninguém sabe. É como olhar dentro de uma chaleira. Há vários pontos de ebulição. Há uma ebulição geral na sociedade. Mas o Brasil vai melhorando, incluindo mais gente. É a forma do capitalismo se renovar. Ninguém pense em reformas profundas. As reformas são dadas pelo crescimento econômico e pelo crescimento da população. Pela alfabetização. Essas são as reformas que movem a sociedade. Eu, como um velho socialista –mais velho do que socialista–, não vejo revolução à vista. O Brasil vai engatar, vai crescer. É impossível conter 200 milhões de pessoas, cada uma querendo o melhor para si. Esse egoísmo capitalista é positivo. O socialismo é algo para além.

O sr. planeja um novo livro?
Sobre o ciclo do lulismo. A chance que o Brasil teve desde FHC e, com mais intensidade com Lula, não é de fácil repetição. FHC abre o ciclo. É homem de elite, não gosta do Nordeste, dos pobres. Tenho desgosto em relação a isso. Trabalhamos muito juntos; ele não era assim. O Lula não fez nada de excepcional, não na dimensão que poderia. Excepcional foi o Brasil desde 1930. Agora a chance foi desperdiçada, principalmente por Lula. O capitalismo só funciona com inserção social e não houve nenhum milagre no Brasil. A economia brasileira é privilegiada, disputada. Mas está faltando capacidade de aproveitar isso, ocupar espaços. No passado, quem percebeu isso com lucidez foi San Tiago Dantas (1911-1964, ministro de João Goulart). Ele meteu o pé. Hoje também há oportunidades, mas não há percepção.

Como seria o título do livro?
Vi recentemente “Um Sonho Intenso” [documentário de José Mariani] e tem um título me perseguindo que é “Um Pesadelo Intenso”. Pela frustração dessa oportunidade única. Erraram. Foi um sonho que poderia ter sido e não foi em toda a sua intensidade. Não culpo a Dilma. É o lulismo que, contraditoriamente, é muito conservador. Lula não ousa tudo o que poderia ter ousado. O que ele fez em relação à previdência social? Basicamente nada. Quando não se pode incluir pela expansão do mercado, essa é a forma de inclusão, fora do mercado. Ele poderia ter feito um esforço mais intenso para ampliar os benefícios sociais. E isso não é risco para o Tesouro, porque vem compensação pelo outro lado –pela expansão da economia, pelo aumento de arrecadação. Era hora de meter o pé no acelerador e Lula fez o contrário.

Como o sr. avalia o caso Petrobras?
Petróleo ainda é o melhor negócio do mundo. A Petrobras é de 1953 e avançou. Vargas foi obrigado a se suicidar por isso. Os norte-americanos até hoje não engolem o fato de ela ser estatal, mesmo sendo um estatismo frouxo. Não engolem porque é um filé. Está abalada hoje. Há pressão para que ela seja fatiada. A burguesia brasileira quer pegar nacos. A Petrobras é um item de segurança nacional; não pode ser privatizada.

E a questão da corrupção envolvendo empreiteiras?
Há tempos, quando todo mundo se desesperava com isso, Ignácio Rangel (1914-1994), que era realista e cético, dizia: “A corrupção é o creme do capitalismo. Não se desesperem, isso é sinal de que o capitalismo está se expandindo”. É isso: tudo é corrupto no capitalismo.