Por Álvaro Augusto Ribeiro Costa

Quando alguém muito querido se vai para sempre, um vazio imenso desequilibra quem fica. E a saudade, aquela dor sentida que ninguém sabe o que seja, espreme o coração e faz escapar a lagrima contida. O pensamento voa então em busca do espirito que nos deixou levando um pedaço da gente. A energia do bem-querer, porem, faz milagres; e assim abraça a memória de quem se foi. E nos basta fechar os olhos para sentir a intensidade da sua presença.  

Cada um de nos traz no intimo  recortes de um tesouro de lembranças da convivência com um ser humano muito especial; o irmão, o tio, o primo, o amigo, o advogado e o mestre Carlos Roberto Martins Rodrigues.

Como tantas pessoas conhecidas e desconhecidas, também tive o privilegio de perceber e testemunhar naqueles momentos que fazem a vida a revelação de inumeráveis e preciosas virtudes. E a dor presente recebe o conforto das passadas lembranças.

Encontro-me então de volta aos tempos dos almoços de família aos domingos na casa da nossa Vozinha Noeme, onde somente os adultos (tios e tias) compartiam à mesa as conversas e o macarrão umedecido com a galinha à cabidela. O tom das vozes era baixo e se ouvia de vez em quando o canto do casal de graúnas anunciando na cozinha os doces que a Terta preparava. Naqueles inesquecíveis momentos, as irreverências espirituosas e picarescas  do Roberto alegravam o ambiente e faziam aflorar um inusitado e cúmplice brilho e sorriso nos olhos azuis da dona da casa, que o glaucoma tornara habitualmente tristes. Mostrava-se então ali um dos preciosos dons do Roberto: o de afastar as penumbras das tristezas com bom humor e inteligência.

 

Mas não foi apenas ocasional a revelação familiar da preciosa personalidade do Roberto.

Na grande e heterogênea comunidade familiar, foi sempre aquela pessoa disponível em  quem se podia confiar em todos os momentos – na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, como se dizia. – Algum problema? Falem com o Roberto, ele resolve… Sempre leal, compreensivo e solidário, perspicaz e sensível, o Roberto de todas as horas. A conversa amiga e franca, a estima desinteressada, a equidade, o conselho, a critica, o abraço.

Poderia ter sido um sacerdote, e dos bons. Sua formação jesuítica o habilitara a tanto. A inquietude do seu talento e o visceral espirito libertário, porem, o levaram naturalmente a outro dignificante e indispensável sacerdócio: a advocacia em sua mais legitima expressão.

Desde os tempos acadêmicos no Rio de Janeiro, despertou a atenção, o respeito e o apreço de muitos colegas que o seguiram por toda a vida.

Sob a inestimável inspiração do pai, Jose Martins Rodrigues (o nosso Tio Zé Martins), o Roberto personificou o jurista completo e exemplar: advogado, mestre e servidor publico.

Irresistivelmente atraído pelo Ceara, aqui iniciou destacada atuação profissional e ingressou como professor na Faculdade de Direito, onde exerceu por longos anos o magistério e foi o inesquecível mestre de incontáveis gerações. Não foi apenas um professor  dentre muitos. Foi o orientador presente, dedicado e amigo, denso de lucidez e substância, desconstruindo mitos e preconceitos,  criativo na pedagogia e no dialogo, pródigo em lições de direito e de vida. Em reconhecimento de tais virtudes, alias, sucessivas turmas de bacharéis o escolheram como paraninfo ou patrono.

Além disso, sua natural liderança e competência profissional o fizeram Presidente  da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção do Ceara durante vários períodos. Constituiu-se ali, então,  exemplo de coragem, altivez e solidariedade efetiva, na intransigente e destemida defesa dos necessitados, dos oprimidos e de seus advogados, de suas prerrogativas e dos princípios maiores do direito e da justiça, sobretudo durante a ditadura militar cujas sombras e áulicos ainda teimam em ameaçar o Brasil do Século XXI.

Como servidor publico, o Procurador da Fazenda Nacional Carlos Roberto Martins Rodrigues desenvolveu profícua e notável atuação, tornando-se por isso mesmo referência em âmbito nacional; por isso, eram permanentes os convites para assumir posições hierarquicamente superiores, além da província,  os quais sempre recusou; o Ceará e o meu lugar – dizia.

Se tudo isso não bastasse, caberia ainda invocar o testemunho  de tanta gente que em gratificante convivência  encontrou-se diante da revelação de um  notável filosofo da existência e insuspeito poeta.

Atitudes e obras revelam o verdadeiro profeta – já foi dito. Pois bem. Aqui estamos em comunhão de saudade e memória e porque em muitos momentos identificamos um ser excepcional e pleno dos valores essenciais à convivência humana.   A fraternidade, a generosidade e a coragem nele residiam em perene, franca e destemida oposição à  tirania, ao egoísmo, à covardia, à insensibilidade, à cobiça e à hipocrisia. Dai, seu ostensivo desprezo pelos agressores da democracia e mercadores da soberania nacional.

Esse era o modo de ser do nosso Roberto. E não poderia ser diferente o primogênito do casal Jose Martins e Zilda Martins Rodrigues.

O mestre, o procurador, o advogado, o filho, o irmão, o tio, o amigo Roberto foi tudo isso da maneira mais amorosa, corajosa, generosa e solidaria.  Tornou-se assim fraterna e difusamente presente no verde do mar que lhe recolheu as cinzas e nas asas das gaivotas que dele retiram o sustento e a energia. … como ele gostava de cantar:  … as time goes by…

E ao longe, onde os bons espíritos vão se encontrando, todos dizem em harmonia perfeita: Seja bem vindo, Roberto. E nos, que ficamos, pensamos alto:

Obrigado, querido Roberto! Muito obrigado!’