Por Valton de Miranda Leitão (*)
O filósofo e matemático inglês Bertrand Russel fez referência, certa vez, à teoria mitológico-astrológica de que a Terra era um gigantesco casco de tartaruga sobre o qual nossos ancestrais pré-históricos acreditavam viver. A mitologia grega do gigantismo considerava que Atlas carregava a terra nos ombros e Anteu, filho de Gaia, era invencível enquanto estivesse com os pés no chão. Este era o modo mais primitivo de explicar os terremotos, as guerras e, inclusive, a extrema fragilidade humana diante da natureza.
As teorias astronômicas de Ptolomeu, Galileu e Copérnico representaram o extraordinário avanço do pensamento humano para dominar os elementos naturais. A ciência ultrapassava a superstição e feria a onipotência narcísica do homem com Copérnico, Marx, Freud, Darwin e tantos outros arquitetos de ideias.
O fanatismo, entretanto, abominou cada um desses gênios que contribuíram para a construção do homem moderno. A criatura humana, sempre movida pelo medo e pelo egocentrismo individualizante, fica tentando eternamente voltar ao passado fabuloso. A busca desse retorno encontra abrigo, principalmente, em mentes paranoicas que desenvolvem fanática convicção e creem que para alcançar seus objetivos precisam destruir metodicamente os inimigos da sua fé, portadores do mal. Tais pessoas constroem sistemas teocráticos nos quais a purgação e a purificação norteiam sua luta implacável contra o inimigo do Bem!
Assim, como na paranoia do presidente Schreber, são diretamente inspirados por Deus na sua missão salvadora. O inconsciente humano contém esse componente esquizoparanoide que pode ser o nutriente daquilo que em política chama-se nazismo e fascismo. Tais dispositivos, atualmente estimulados pelo algoritmo midiático, podem levar a uma intensa divisão coletiva na persecutoriedade que Bion chamou suposto de luta-fuga.
O delírio leva a níveis de intensa irracionalidade, fazendo com que o narcisismo individualista prevaleça sobre o senso ético-comunitário e social. Os preconceitos atávicos contra as diferenças são acionados levando ao ataque as mulheres, indígenas, negros criando um ambiente raciológico assumido por setores sociais tradicionalmente dominantes.
O virilismo ressurge com toda força determinando que os seres não possuidores de pênis devem simplesmente procriar e educar os filhos em casa. O falocentrismo levado ao apogeu constrói o muro que irá separar, dentro dessa lógica inflexível, o bem do mal. Nós, de um lado, e Eles, do outro, surge como consequência natural desse processo que dispensa o discurso argumentativo da comunicação reduzido ao novelesco da caricatura e do ideograma.
A purgação do mal precisa atingir o intelecto e os centros produtores de Saber porque estariam infiltrados pelas artimanhas de Mefistófeles. Como o ataque a Sorbonne ou Harvard é muito difícil atacam outros centros menores nos elos mais frágeis de produção do conhecimento e de construção crítica do homem. O anti-intelectualismo fica inteiramente evidenciado pelos atos de governos como os da Hungria e do Brasil.
Tácito (55 d.C. – 120 d.C.), historiador romano, disse que para fazer história imparcialmente era necessário proceder sine ira et studio, sem ódio nem preconceito. Não creio que os apologistas húngaros e brasileiros do barbarismo que está sendo levado a cabo, procedam de maneira isenta e, tanto o partido do judiciário quanto o militar, encontram os mais absurdos argumentos para justificar seus atos imorais.
É preciso reconhecer que apesar da aparência manicomial da atuação política desses governos existe uma metodologia na sua práxis. Diante disso, é absolutamente necessário que o pensamento psicanalítico que em princípio busca a verdade, não fique omisso diante da loucura planejada.
(*) Médico, psicanalista do Grupo de Estudos Psicanalíticos de Fortaleza, filiado à Associação Internacional de Psicanálise (Londres) e Coordenador da Escola de Psicoterapia Psicanalítica de Fortaleza.