por: Sérgio Sérvulo da Cunha
Passo em frente à padaria.
O locutor da Globo está dizendo que o ex-presidente Lula foi condenado pelo crime de lavagem de dinheiro.
É impossível não ouvir essa notícia. Ela é repetida, à exaustão, em todas as padarias do Brasil, em todas as estações de transporte, em todos os locais de espera. É muito mais do que Goebbels poderia ter sonhado.
Lavagem de dinheiro é a colocação de dinheiro ilícito no giro da economia, de modo a ocultar a sua origem. O crime de lavagem de dinheiro vem assim tipificado na lei 9613/1998: “Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”.
Vejamos de que modo o juiz Moro chegou à conclusão de que Lula cometeu o crime de lavagem de dinheiro.
A denúncia apresentada pelo Ministério Público envolvia um grupo empresarial chamado OAS, que, tendo prestado serviços à Petrobrás, estaria devendo ao PT uma comissão de valor correspondente a 3% do seu lucro; Lula deveria receber uma parte desse valor, e o teria recebido em espécie, na forma de um apartamento situado no Guarujá.
Eu me coloco, então, no lugar de Lula. Por coincidência, há muitos anos, tenho direitos à aquisição de um apartamento no Guarujá, de cujo preço já paguei parte a uma cooperativa habitacional. E tenho renda suficiente para pagar o restante do preço, ou adquirir um apartamento mais caro, no mesmo prédio. Não poderia haver melhor ocasião para esquentar o meu dinheiro: compro o apartamento e faço a escritura, que levo a registro.
Um apartamento não é um relógio, que se leva no pulso. É um imóvel, cuja propriedade se prova com a respectiva matrícula.
Moro diz: esse é o conceito civil de propriedade, mas este não é um processo civil; é um processo criminal, e Lula está sendo acusado de lavagem de dinheiro. Ora, em toda lavagem de dinheiro há ocultação. Logo, para ocultar que é proprietário do apartamento, Lula nem fez a escritura, nem recebeu a sua posse. Ou seja, Lula não fez nada. Mas, neste caso, não fazer nada é a ocultação perfeita.
Em toda apuração criminal parte-se do fato, e sobe-se à lei correspondente. Moro parte da lei, presume a sua violação, e empurra o fato, a fórceps, para dentro do tipo penal.
Ele pode vangloriar-se, porque sua sentença transformou-se num clássico do Direito brasileiro. Daqui para a frente será tomada como exemplo nos cursos jurídicos, sempre que se quiser ilustrar a perversão judicial.