por: Sérgio Sérvulo da Cunha
Ouvi dizer que na China – não sei se essa lei ainda está em vigor – sendo alguém condenado à morte, sua família deve pagar as balas com que será morto.
Convidar o condenado a se apresentar ao juiz que pronunciou a sentença condenatória, é algo que obedece ao mesmo espírito. Ainda mais se a sede desse juízo é distante, e ele acabou de bloquear as contas bancárias do condenado.
Como se executa uma sentença penal privativa da liberdade? Mediante a extração de um mandado de prisão. Se o juiz não tem jurisdição na comarca onde se encontra o condenado, deve solicitar justificadamente, a quem a tenha, que providencie a prisão. Apresentado o mandado ao condenado, que tem direito a uma cópia, só aí se dá o conhecimento oficial da ordem de prisão, e se pode configurar eventual resistência.
O código de processo penal trata da execução das sentenças em seus arts. 668-685.
Vou transcrever, ainda que parcialmente, algumas das normas aí contidas:
Art. 669. Só depois de passar em julgado, será exequível a sentença….
Art. 674. Transitando em julgado a sentença que impuser pena privativa de liberdade……….o juiz ordenará a expedição da carta de guia para cumprimento da pena.
Art. 674. No caso de ainda não ter sido expedido mandado de prisão………….o juiz…………fará expedir o mandado de prisão logo que transitada em julgado a sentença condenatória.
Esse código de processo penal corresponde ao decreto-lei 3.689, de 3 de outubro de 1941. Portanto, mesmo antes da Constituição de 1988, e durante a ditadura do Estado Novo, a sentença penal condenatória não poderia ser executada antes do seu trânsito em julgado. Essas normas continuam em vigor, e se o juiz as deixa de aplicar para satisfazer sua paixão política, comete arbitrariedade, abuso de poder.
Elas são confirmadas pela lei de execução penal (lei 7.210, de 11.7.1974), que diz em seu art. 105: Transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade…….o juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução.
Não cabe ao juiz invocar em contrário a jurisprudência, mesmo que possua efeito vinculante, porque no Estado Democrático de Direito ninguém, e nenhum tribunal, está acima da lei. Jurisprudência é glosa da lei, e, a não ser que queiramos ser escravos dos tribunais, não pode dizer o contrário do que está na lei. O juiz é agente político que, no exercício de sua função, não está subordinado a ninguém. Por isso existem as suas prerrogativas, que, criadas para protegê-lo, no passado, contra a classe política, não bastam para protegê-lo, hoje, contra o patrulhamento judiciário.
É muita cara de pau dizer que o condenado pode ser preso antes do trânsito da sentença em julgado. Não conheço jurista que tenha escrito isso, senão aqueles que, por vestir toga, se acham deuses.
Tem-se assoalhado que ao STF cabe dizer a última palavra em matéria de inconstitucionalidade. Errado.
Está lá, no art. 52-X da Constituição, que ao Senado cabe, dentre outras atribuições, “suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão do Supremo Tribunal Federal”.
Antes de ser eleito presidente, Lula esteve no Conselho Federal da OAB, e assinou uma declaração comprometendo-se contra a criação da súmula vinculante de jurisprudência. Quando, no início de 2004, ante a passividade do governo, o Senado aprovou essa aberração, em protesto deixei a chefia de gabinete do Ministério da Justiça.
Kant dizia: não sou vidente, mas o futuro pode ser lido nas linhas do passado. Faço minhas suas palavras: o que está acontecendo hoje, estava previsto no meu livro “O efeito vinculante e os poderes do juiz” (Saraiva, 1999).