Cotado como candidato do PT ao governo do Rio, o ex-ministro da Defesa critica a intervenção federal e defende um política industrial no estado
Celso Amorim foi embaixador, ministro das Relações Exteriores no governo Lula e ministro da Defesa no governo Dilma Rousseff. À frente do ministério, fomentou a política externa que colocou o Brasil entre os grande países do mundo na primeira década do século XXI, lugar mais do que de direito pela pujança territorial, econômica e cultural do país.
Atualmente seu nome é cotado para a candidatura ao governo do Rio de Janeiro pelo PT. Não tem dúvidas em apontar a necessidade de uma política de Estado do governo federal que deslanche o potencial industrial que o Rio possui, notadamente em siderurgia, petróleo e indústria naval.
Assim como é taxativo em afirmar que a intervenção federal no Rio é errada, pois os militares só devem atuar pontualmente, em cooperação com o governo de Estado, e não de modo intervencionista, quando a democracia em suas diversas formas fica ameaçada e a população mais pobre é quem sofre na espiral de conflitos da ideologia da violência.
CartaCapital: Como está a pré-candidatura ao governo do Rio de Janeiro?
Celso Amorim: Eu acho que isso ainda não é uma coisa que foi lançada, é um pouco prematuro. Agora, de fato eu fui procurado por várias pessoas aqui, e também da direção nacional do PT, expressando interesse em meu nome para o Rio de Janeiro. No momento eu tenho procurado mais estudar o Estado. Tenho tido encontros sobre temas específicos, segurança, que ficou muito em evidência agora por causa da intervenção político-militar. Tenho participado de eventos, por exemplo estive no “Rio que o povo negro quer” há pouco tempo. Encontro com economistas, mas por enquanto estamos ainda nesse pé.
CC: Com esses encontros já está começando a pincelar algo que venha a construir um programa para o senhor apresentar ao eleitor fluminense?
CA: Eu costumo dizer o seguinte: o primeiro ponto de um programa, digamos, para regeneração do Rio de Janeiro, é a eleição do presidente Lula para a Presidência do país. E aí é uma batalha a ser enfrentada ainda. Eu continuo achando que grande parte das nossas energias deve ser voltada para esse aspecto porque eu acredito que o Rio precise de um Plano Marshall, aquele que os EUA socorreram à Europa também por interesse deles, de não só combater o comunismo à época mas também vender os seus produtos, pois não interessava uma Europa deprimida.
Eu acho que o Rio está nesse pé, financeiramente e em demais aspectos. Visitei a UERJ, vi as dificuldades que está passando. Tenho conversado com outros setores e observo que o Rio precisa desta injeção. Honestamente, o candidato que eu vejo com sensibilidade para os problemas do Rio de Janeiro, e capacidade de mobilização, é o presidente Lula, que aliás demonstrou isso no passado.
CC: Seria uma revitalização a partir de um plano nacional, como ocorreu nos outros governos Lula?
CA: Não é só uma questão de ajuda financeira, isso também é necessário já que da maneira que foi negociada a dívida do Rio estamos nos endividando mais para pagar salários, então nunca vamos conseguir escapar deste ciclo, mas também do ponto de vista das políticas.
Por exemplo, a política que está sendo levada adiante em relação a petróleo e gás afeta não apenas a própria Petrobras com a concessão que foi feita, que pode até no curto prazo trazer algum recurso, mas afeta as indústrias que são ligadas à ela, como a naval e outros setores, na medida em que você facilita a importação. Antes havia uma política de preferência à produção nacional, sobretudo no caso dos estaleiros. Agora você elimina isso e ainda concede benefícios fiscais para quem vai importar, aí é contra o desenvolvimento industrial do Rio de Janeiro.
CC: O Rio depende dessas indústrias, que dependem de uma política nacional?
CA: É claro que existem outros setores também, o de moda, vestuário; o turismo, obviamente, que não depende disso, mas os grandes impulsos industriais, quando você fala em termos de indústria de volume, são Volta Redonda (siderurgia), petróleo e gás, e a indústria naval, que são todas elas ligadas à políticas de estado, não só do Rio, mas da União. Então eu acho que a eleição do presidente Lula é o ponto um, e ponto principal, de qualquer pretensão de restaurar o dinamismo do Rio, para criar empregos por exemplo.
CC: A partir daí é que pode-se pensar em outras saídas econômicas e sociais para a vitalidade do Estado?
CA: Aí você entra nas outras questões. Agora a segurança ganhou uma proeminência enorme na agenda. Não que ela não fosse importante antes, sempre foi, o próprio presidente Lula e a presidenta Dilma tomaram decisões. Acho que algumas podemos hoje até fazer um pouquinho de autocrítica, como na favela da Maré, quando eu era ministro da Defesa e me sinto à vontade para fazer isso. Não que tenha sido errado ou negativo, mas que não resulta, é temporário, paliativo, aquilo vai embora, cria uma expectativa que depois não se cumpre.
Então eu acho que hoje em dia há muito relevo nesta questão da segurança a partir da intervenção federal, que foi feita com objetivos políticos óbvios também. E a segurança não pode ser vista separada de outras coisas. É claro que no curtíssimo prazo, sim, você tem que ter combustível para a polícia, melhorar o quadro de policiais, eliminar focos de corrupção. Mas só isso não vai resolver. E eu tenho receio que tenha sido criada uma ilusão de que os problemas graves do Rio vão ser resolvidos com uma intervenção militar, que gera outros problemas.
CC: Pela forma de atuação das Forças Armadas?
CA: Eu pessoalmente tenho muito respeito pelas Forças Armadas. Fui ministro da Defesa e tive sempre boa colaboração deles, mas eles tem que agir sob uma direção civil; e não é porque não sejam bons, mas é porque isso é da essência da democracia. Por outro lado não é bom que os militares se envolvam profundamente. Uma emergência, uma coisa tópica, é diferente. Mas a missão das Forças Armadas é defender o país de ameaças e agressões estrangeiras, que podem ocorrer. O Brasil é um país muito rico em matérias-primas, em fontes de energia e biodiversidade. Tudo isso pode despertar a cobiça internacional, aliás afetando até o Rio de Janeiro, porque temos aqui o pré-sal. E as Forças Armadas podem ajudar também em outras questões como o combate ao tráfico de armas, mas isso é na fronteira, não é aqui.
CC: As Forças Armadas não são as indicadas para ações específicas no Estado?
CA: Você pode precisar de ações específicas, mas primeiro tem que respeitar estritamente os direitos humanos. Você tinha que ter uma espécie de Ombudsman (gerente interno) de direitos humanos ao invés de ter mandado coletivo de prisão. Tinha que ter esse ombudsman acompanhando todas as operações para se certificar que não esteja havendo violações. Pode até não ser intencional, não estou pretendendo dizer que o Exército vai querer dar um golpe de Estado ou algo assim, mas as próprias situações e a maneira como o militar é formado levam a isso.
Mesmo a experiência do Haiti, que eu conheço relativamente bem, é um pouco diferente. Lá era uma missão de paz, da ONU, não uma ideia de combate diretamente. Aqui você está atuando em seu próprio país, e mesmo que haja criminoso, você tratar o criminoso como se fosse um inimigo combatente, e pior ainda se for um suspeito de criminoso, é problemático. Você tem que ter toda uma série de cuidados.
Para resolver essas questões mais profundamente você vai precisar pensar em emprego, escola de tempo integral, ajuda na saúde, cultura, com a riqueza que sempre veio das favelas, políticas afirmativas, racismo como causa do problema social, e não ao contrário, e inúmeras atuações complementares. Essas ações tem que ser tomadas pelo governo do Estado junto com o governo federal, e não por meio de uma intervenção e uma imposição.
Porque na verdade o governo do Rio de Janeiro, hoje, está sendo governado como era no tempo dos territórios, o governo federal que está governando nessa área de segurança; mas com ramificações, o próprio general que está na área de segurança diz que vai precisar de ações na área de saúde etc. Quem vai fazer isso? Os próprios militares, eles é que vão dirigir? Então é uma situação meio confusa. Eles têm capacidade de fazer ações tópicas, eu conheço, e são positivas, mas não vão resolver estruturalmente os problemas do Rio de Janeiro que tem uma das raízes com essa questão da segurança.
CC: A intervenção federal no Rio é até dia 31 de dezembro. Caso o senhor seja eleito governador, como negociará a transição com eles para começar um 2019 com o Estado se autodeterminando?
CA: Pois é, eu tenho dito que a eleição agora ficou meio estranha, que é uma eleição para “semi-governador”, porque tem essa lado da intervenção e tem também uma supervisão federal, tipo aquelas que o FMI fazia com o Brasil na parte financeira, o que é quase uma intervenção. Então o governo mesmo tem muito pouca autonomia para fazer qualquer coisa. Bem, eu acho que esse governo atual já abdicou mesmo de qualquer autonomia, mas qualquer um que seja eleito vai ter que enfrentar essa questão de maneira muito séria, e é complicado.
A gente tem certeza que se for o Lula eleito presidente a gente vai resolver isso de maneira democrática, com diálogo, mantendo o que for necessário de apoio à segurança no Rio, mas colocando isso dentro de um contexto de autonomia do Estado. Não sei como será se outro for eleito, até mesmo um de centro-esquerda. Não sei como ele verá e qual tipo de atenção dará a essa questão. E essa é uma questão fundamental, é uma coisa que obriga a reflexão até sobre a conveniência de cada candidatura.
CC: Caso eleito governador, o senhor colocaria alguns pontos inegociáveis com os militares?
CA: A intervenção como intervenção. Veja bem, se misturam as coisas, uma coisa é uma ação na área de segurança que pode ser feita em coordenação com o governo de Estado e dentro de certos limites, e volto a dizer que o Exército tem limitações por causa da formação deles. São muito bons para defender a pátria, se vier um inimigo, um combatente que vem de fora, dar um tiro e tal. É diferente de se estar em uma viela de uma favela, ver uma pessoa que não se tem certeza se é ladrão ou não, pode estar segurando um cabo de vassoura, e dar um tiro, matar um inocente, e depois falar o “ah, me enganei e tal”. Então uma ação em si pode existir desde que ela seja limitada no tempo, mas não tem porquê ser o governo federal comandando, não tem porquê.
Não se pode aceitar isso, imagina, estamos falando do Rio de Janeiro. A cidade foi a capital do país, o estado é importantíssimo, entre os maiores em termos de renda per capita, em termos de indústria, certamente um dos maiores em termos intelectuais, de formação, culturais. E você tem esse estado sem autonomia para se governar, então onde é que nós estamos? Você não pode aceitar isso. Então tem que transformar essa intervenção federal, eu não estou falando da ação e de um apoio na área de segurança, em uma cooperação, uma cooperação na base do diálogo, nos termos em que forem colocados pelo governo do Estado. E aí você conduzir as ações no sentido de que elas sejam puramente emergenciais e se insiram em um contexto em que o aspecto principal é a criação de empregos, o ensino e por aí afora.
CC: O general Braga Neto (interventor federal na segurança do Rio de Janeiro) tem falado que “não é uma intervenção militar, é uma intervenção federal”.
CA: Mas o instrumento foi militar, né? Não estou querendo dizer que é igual ao golpe de 1964, que foi político-civil apoiado por jornais, O Globo, O Estado de S.Paulo, pelas elites, pela Fiesp, mas o instrumento foi militar. Isso é um dos perigos que existem, e apesar de eu não acreditar que aconteça agora, de qualquer maneira você pode criar uma situação em que o país vivendo um ano eleitoral, conturbado, a segurança pública no Rio na mão dos militares… como é que você vai distinguir um protesto, uma inquietação social legítima, até em função da crise econômica e do corte de direitos como a reforma trabalhista, de um ponto de conflito? Isso é perigoso.
CC: Falando em ano eleitoral, do ponto de vista nacional, como avalia a candidatura Lula?
CA: Essa perseguição jurídico-midiática que ele está sofrendo é baseada em acusações que não merecem crédito, pois são no mínimo frágeis, contestáveis, polêmicas, atropeladas, que saem totalmente dos padrões não só no conteúdo mas no procedimento, com “crime” sem prova e aberrações assim. Mas além disso você está tirando a essência da democracia, que é a soberania popular.
Em uma situação como esta, que no mínimo existem muitas dúvidas, como mostra a recém enquente em que a maioria da população diz que os julgamentos estão sendo políticos, você priva o povo de ser o julgador em última instância através das eleições. Eu acho isso uma coisa absurda, que pode deixar uma marca muito severa por um longo tempo no Brasil. É muito ruim. Então espero que uma luz que ainda resta nas instituições brasileiras não prenda o presidente Lula, e que ele possa ser candidato.
CC: Então no plano da eleição presidencial o PT segue com a candidatura Lula? Não tem plano “B”, inclusive com o nome do senhor aparecendo em uma possível chapa nacional?
CA: Sim! Segue com a candidatura Lula. Quanto ao meu nome, é o seguinte: se o Lula for candidato, e me convidasse para ser vice dele, eu ficaria muito honrado, evidentemente, e seria uma coisa que eu teria que pensar e considerar, mas isso não aconteceu, é o que eu quero dizer. E não seria para ser plano B ou C, seria para ser vice do presidente Lula, é diferente.
Eu acho que o PT deve colocar a candidatura Lula e o ideal é que outros partidos possam acompanhar. Claro que cada partido ter seu candidato é uma questão interna, o próprio presidente Lula outro dia deu uma declaração sobre o Boulos e sua candidatura, muito respeitosa e tudo.
Agora, dentro do PT eu acho que não tem nenhum cabimento você falar nem pensar em outro cenário. Gente! Se o pior acontecer lá na frente, aí vamos pensar, ver quem é o melhor e tal. Agora, eu quero dissociar totalmente o meu nome de qualquer ideia de plano B. Eu apoio o Lula, todos os movimentos em que estive envolvido são para preservar a possibilidade de o povo brasileiro escolher o presidente que ele quer. E o que o povo mais quer, como mostram as pesquisas, é poder votar no Lula.
Fonte: Carta Capital