Não é imoral ser condenado em juízo, ainda que se trate de uma condenação criminal. Nos meus “Fundamentos de Direito Constitucional”, vol. I, publicado em 2004, a folhas tantas, escrevi:
“O que se costuma designar como condenação é a imposição de uma sanção a determinada pessoa, a cujo respeito se pode no máximo dizer, em razão disso, que foi considerada culpada por comportamento ilegal. Penas infamantes – a degradação moral do vencido (aquele que perdeu uma disputa em juízo) e às vezes de seus próximos – são coisa do passado. Para aceitar essa afirmação não é preciso ter em mente as deficiências dos julgamentos, bastando refletir sobre sua natureza e finalidade. O fato de se considerar alguém como “inocente” não representa um louvor, ou que seja incapaz de delinquir, mas apenas que não cometeu o ilícito de que cuidou o processo ou que, mesmo havendo-o cometido, tem em seu favor alguma excludente de responsabilidade. Costuma-se dizer que a pena não passa da pessoa do condenado – isto é, não atinge os que lhe são próximos – mas na verdade a decisão judicial, mesmo quando implica pena privativa de liberdade, não alcança a dignidade da pessoa humana. Nenhuma instância jurídica profere juízos morais”.
Não é preciso refletir muito para demonstrar a verdade dessas proposições. Num tribunal o que se profere são juízos jurídicos, e não juízos éticos. Caso contrário, haveremos de considerar imorais Anaxágoras, Sócrates, e Jesus Cristo.
Os efeitos de uma sentença (efeitos próprios, efeitos anexos e efeitos conexos) são apenas aqueles apontados em lei. Existe lei dizendo que, em alguns casos, tendo perdido uma disputa judicial, o perdedor fica inelegível. Mas inexiste lei dizendo que alguém, tendo perdido uma disputa judicial trabalhista, fica impedido de ser nomeado ministro d Estado.
Ah, sim, existe um princípio, chamado princípio da moralidade, incorporado ao ordenamento jurídico (Constituição brasileira, art. 37). Sobre ele, escrevi:
“Para que os órgãos da administração pública no Brasil estivessem sujeitos ao princípio da moralidade, não seria preciso inscrever essa referência no art. 37 da Constituição, como de fato aconteceu. Juntamente com o da racionalidade, esse é princípio magno: princípio pré-constitucional, pois não se confina apenas à Constituição, e princípio pré-jurídico, pois não se confina apenas ao Direito. O princípio da moralidade é institucional, na medida em que se apresenta como estruturante de toda e qualquer instituição. Esse princípio da moralidade, referido no art. 37 da Constituição brasileira, não pertence à ética, mas ao Direito. Não obstante o nome, inexiste, em ética, tal princípio. Não podemos confundi-lo com o princípio fundamentador da moral, tal como expresso por Kant no seu imperativo categórico. Em Direito, o “princípio da moralidade” assim se enuncia: “É juridicamente exigível, das autoridades e dos membros da Administração, a observância das regras morais” (Ética, 2012, § 75).
Lemos nesta semana os argumentos de um juiz, impedindo uma deputada de assumir o cargo de ministra. Mais do que paralogismos (erros involuntários de raciocínio), eles são sofismas (falácias intencionais). Sobre essa distinção, já escrevi (desculpem):
“Feliz a nação em que o vício de fundamentação judicial consiste menos em sofismas do que em paralogismos. Isto significa que a magistratura, embora possa errar, está melhor preparada para o exercício da sua função. Menos afortunada aquela em que o descompromisso com a justiça dispensa o magistrado sequer de sofismar, bastando-lhe manter a aparência de que se desincumbiu honradamente de sua função (Dever constitucional de fundamentar; no prelo).
Tendo em vista a sua irresponsabilidade profissional, nos termos em que é posta pelo ordenamento brasileiro, parece-me que, no caso, o prolator dessa sentença está juridicamente protegido. Mas, sob o ponto de vista moral, como é que ele está saindo na foto?
por: Sérgio Sérvulo