por: Lira Neto
Passou um tanto quanto batido por parte da imprensa brasileira o recente lançamento, via Netflix, de um documentário perturbador: “Get Me Roger Stone”. O filme reconstrói a trajetória de um dos mais sórdidos operadores do vale-tudo em que se transformou a política contemporânea.
Apelidado pelos adversários de Príncipe da Escuridão, cognome do qual ele próprio se vangloria, o lobista e estrategista Roger Stone é tido por observadores da imprensa americana como um dos principais responsáveis pela ascensão de Donald Trump à Casa Branca.
Adepto da pós-verdade, semeador de intrigas, vaidoso de suas habilidades para exercer o cinismo em altas doses, Stone se define como um “agente provocador”. Aos que o acusam de falta de ética e de abusar dos golpes baixos, contrapõe: “Aqueles que dizem que não tenho princípios são perdedores amargurados”.
Com peitoral e braços bombados em sessões de musculação, envergando figurinos extravagantes e sapatos lustrosos, ele é um prosélito das próprias regras de conduta, consubstanciadas em uma série de sentenças que batizou pomposamente de “Stone’s Rules”. Entre elas, uma de suas favoritas: “É melhor ser infame do que nunca ser famoso”.
O documentário de uma hora e meia, dirigido pelo trio Dylan Bank, Daniel DiMauro e Morgan Pehme, foi inspirado em um perfil de Roger Stone publicado nas páginas da revista “The New Yorker”; “O jogador sujo”, escrito pelo jornalista e escritor Jeffrey Toobin.
“Ele assume a infâmia, não se preocupa se você o considera um pilantra”, diz Toobin, entrevistado no filme. Na verdade, Roger Stone se alimenta da própria má fama. Jornalistas às voltas com uma eventual falta de assunto costumam ligar para ele, mendigando aspas, em busca de declarações bombásticas. “A mídia é maligna ou preguiçosa; sabendo disso você consegue qualquer coisa”, deleita-se Stone.
Os diretores do documentário o acompanharam durante cinco anos, conversando com adversários e admiradores, incluindo o próprio Donald Trump. “Ele adora esse jogo”, disse o então candidato à Presidência dos EUA, referindo-se ao modo de Stone fazer propaganda política. “Ele se diverte e é muito bom nisso.”
Até se tornar estrategista da campanha de Trump, Roger Stone protagonizou uma série de episódios nebulosos, desde quando largou a escola, na adolescência, para trabalhar na campanha presidencial de Richard Nixon, em 1968. A admiração por Nixon, aliás, resultou numa tatuagem do ex-presidente que Stone mandou fazer nas costas e que, hoje, faz questão de exibir aos fotógrafos.
“Costumo acreditar no pior das pessoas porque compreendo a natureza humana”, filosofa, diante da câmera. “Por isso uma das minhas regras é a de que o ódio motiva mais do que o amor.” Entre as histórias que se gaba de ter espalhado contra antagonistas políticos está a versão de que Barack Obama não teria nascido nos Estados Unidos e seria muçulmano. Ou a acusação de que Bill Clinton teria estuprado 26 mulheres.
“A atual política de desmoralização é essencial para que você seja notado”, explica, sem ruborizar. “Ataque, ataque, ataque; nunca defenda”, a propósito, é outra de suas regras sagradas. “Você acha que os eleitores menos sofisticados sabem diferenciar a política do entretenimento?”, indaga, com um sorriso sardônico.
Quem aproximou Roger Stone de Donald Trump foi o advogado Roy Cohn, ex-conselheiro jurídico de Joseph McCarthy, o senador que desencadeou a perseguição paranoica aos “comunistas” nos anos 1950. “Eu era um jóquei procurando um cavalo”, define Stone, que diz ter encontrado em Trump o seu “puro-sangue”.
O trabalho para eleger o atual presidente dos Estados Unidos passou pela estratégia de apresentá-lo como um candidato à margem do sistema representativo tradicional, um empresário bem-sucedido, um não político a esgrimir, de modo histriônico, contra a corrupção endêmica da esfera pública: “Donald Trump, o candidato da lei e da ordem, contra todo o resto”.
Exacerbar a indignação coletiva, explorar ressentimentos contra indivíduos e grupos específicos, aguçar xenofobismos, atiçar o racismo, demonizar o adversário, promover teorias conspiratórias, orgulhar-se de ser politicamente incorreto, distorcer a verdade, manipular dados, mentir descaradamente pelos microfones e redes sociais.
A cartilha de Roger Stone é infame e infinita, mas pode ser resumida em outra de suas regras prediletas: “Para vencer, pode-se tudo”.