por: Janio de Freitas
O que faltava não falta mais. Assim é, antes de tudo, a contribuição do general Antonio Hamilton Mourão ao agravamento da situação crítica do Brasil. O golpismo militar retoma sua tradição. Pela voz e pela posição do general, que as fortaleceu com o aviso de que tem a concordância do Alto Comando do Exército, estamos informados de que o país recuou 53 anos em sua lerda e retardada história. De volta aos antecedentes de tutela armada vividos, com as ameaças, os medos e os perigos cegos do pré-golpe de 1964.
O atual comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, dava seguro avanço ao exemplar trabalho do seu antecessor, general Enzo Peri, de educação civilizatória e limitação da sua oficialidade às atividades profissionais. Essa situação, sem precedente desde a construção do golpe militar batizado de proclamação da República, interrompe-se em uma manifestação divisível em duas partes distintas.
Uma consiste na atitude do general Mourão como indivíduo mentalmente formado na caserna, durante um período em que ali as ideias se formaram por processo equivalente a lavagens cerebrais. Fábricas de posições sem reflexão, apenas ecos de sons vindos do Norte. Por certo, são muitos os Mourões nos níveis de idade mais alta, no entanto até aqui compelidos à conduta de militares verdadeiros, não de políticos e juízes armados.
A outra parte é a das significações. A frase sísmica do general Mourão não cabe em suas palavras: “Quando nós olhamos com temor e com tristeza os fatos que estão nos cercando, a gente diz: ‘Pô, por que que não vamo derrubar esse troço todo?'” É o mais puro espírito do golpismo: “Por que que não vamo derrubar tudo”, se temo as armas e não temos ideia do que significa tal decisão? Essas foram as premissas de todos os golpes militares, fantasiadas ou não.
É mais do que incontinência individual: “Na minha visão, que coincide com os meus companheiros de Alto Comando do Exército, nós estamos […] na situação de ‘aproximações sucessivas'”. Já transcorre uma ação, pois, com preparativos para um fim determinado.
Este: “Até chegar o momento em que, ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos com todos os ilícitos, ou então nós teremos que impor isso”.
Pressão direta e explícita sobre o Judiciário. Como os “elementos” de “vida pública” acusados são políticos, e por isso passíveis de inquérito e julgamento no Supremo Tribunal Federal, é pressão sobre a Corte Suprema do país. Por mais que seus ministros reafirmem a sua independência e a do tribunal, dizendo-se imunes a pressões, será inconvincente que, nas cabeças julgadoras de réus políticos, não haja, subjacente, a lembrança da pressão que lhes sobrepôs a alternativa do “dá ou desce” da democracia, a pobre.
Efeito mais imediato recai na área política. O fortalecimento de Michel para enfrentar na Câmara a segunda denúncia-crime, imaginado a partir do tropeção de Joesley Batista em si mesmo, esvai-se com a sua cota na referência aos “elementos” a serem retirados. Aliados seus estão entre os primeiros a pensar na convocação do general Villas Bôas para falar ao Senado. A ideia é obter dele o esvaziamento da mensagem do general Mourão. Menos otimista e não menos temeroso, o PSDB que aumentava o seu número de dispostos a recusar o processo contra Temer, com a volta de peessedebistas dissidentes ao balcão do governo, já cuida do freio e do muro. Até saber qual é o lado mais compensatório.
Tudo isso, para o general Villas Bôas, “é uma questão que já consideramos resolvida internamente”. Mas não externamente, neste país de mais de 200 milhões que circundam o Exército. Nem quanto ao conceito do próprio general Raul Jungmann, ministro da Defesa, emitiu nota, sobre exame de “medidas cabíveis” ao general Mourão, mas demonstra que, ministro da Defesa, não defende nem a si mesmo, lançado em escanteio silencioso.
Mas tradição é tradição.