por: Aldo Arantes
Ex-deputado federal Constituinte pelo Estado de Goiás, secretário da Comissão Especial de Mobilização para a Reforma Política do Conselho Federal da OAB
Em reunião na Loja Maçônica de Brasília o General de Exército Antônio Hamilton Mourão, membro do Alto Comando do Exército e Secretário de Economia e Finanças da Força, em resposta a um questionamento, defendeu a intervenção militar como caminho para resolver o problema da corrupção.
Um membro da plateia fez a seguinte pergunta: “A Constituição Federal de 88 admite uma intervenção constitucional com o emprego das Forças Armadas. Os poderes Executivos e os Legislativos estão podres, cheios de corruptos, não seria o momento dessa intervenção?”.
A este questionamento o General, informando que sua visão correspondia à dos “companheiros do Alto Comando do Exército”, afirmou “Até chegar o momento em que ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do judiciário, retirando da vida política esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos que impor isso”.
É bom ter presente que o General se define como “eterno integrante da comunidade de inteligência” tendo sido graduado pela escola do SNI (Serviço Nacional de Informações), órgão da ditadura militar voltado para a repressão aos movimentos de oposição ao regime.
O assunto foi se tornando mais grave à medida em que suas declarações foram apoiadas por outros militares de alta patente. O General da reserva Augusto Heleno, ex-comandante das tropas brasileiras no Haiti, declarou que o General Mourão “limitou-se a repetir, sem floreios, de modo claro e com sua habitual franqueza e coragem, o que está previsto no texto constitucional. A esquerda em estado de pânico depois de seus continuados fracassos, viu nisso uma ameaça de intervenção militar”.
Se isto não bastasse o General Eduardo Villas Boas, Comandante do Exército, longe de mandar prender o general que afrontou a Constituição pregando o golpe, o elogiou e deixou claro que ele não receberá punição por ter “falado em ambiente fechado”. E ainda, não desmentiu a afirmação sobre a existência de “planejamentos bem feitos” sobre a intervenção militar.
É evidente que se trata de um eufemismo falar em intervenção militar. O nome para isto é golpe. E o povo brasileiro viveu a experiência do golpe militar de 1964 que durou 21 anos. Este golpe foi iniciado por outro General Mourão e provocou assassinatos, torturas, cassação de mandatos, censura à imprensa, sob a justificativa de defesa da democracia.
É falsa a ideia de que por este caminho o problema da corrupção estaria resolvido. Sua solução passa por reformas estruturais do sistema político brasileiro entre as quais o fim do financiamento empresarial de campanhas eleitorais, assunto não suscitado por muitos dos que falam em combate à corrupção. Bem como pela adoção de um sistema eleitoral que eleja, com base em programas, representantes comprometidos com os interesses da maioria do povo e a defesa da soberania nacional.
A corrupção, suscitada pelo General Mourão e seus apoiadores, não justifica golpes militares. A corrupção foi, também, a justificativa para o golpe parlamentar. Foi a cortina de fumaça para impedir a continuidade de um projeto de nação que assegurou melhorias das condições de vida do povo e a afirmação da soberania nacional.
É importante notar que as declarações dos defensores da intervenção só se referem ao combate à corrupção, não havendo nenhuma referência aos graves problemas enfrentados pelo povo e pela nação. E o combate à corrupção se volta contra quem? Contra o corrupto Temer e sua camarilha? Contra o ex-presidente Lula em relação ao qual não há nenhuma prova de ilícitos?
É falso o argumento do General Augusto Heleno de que a Constituição prevê a intervenção militar à margem dos poderes da República. O artigo 142 da Constituição define que as Forças Armadas “destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da ordem e da lei”. Ou seja, a intervenção militar para a garantia da ordem e a lei só é permitida por iniciativa de um dos poderes da República.
O artigo 142 da Constituição foi objeto de acesos debates na Constituinte de 1988. Havia pressão dos militares para que se repetisse o dispositivo da Constituição de 1946 que assegurava a intervenção militar para a garantia da ordem e da lei, por iniciativa dos próprios militares e não do poder civil.
Saídos da dura experiência da ditadura militar os constituintes, tendo a clareza de que a definição do papel das FFAA na Constituição de 1946 foi utilizado para justificar golpes, não aceitaram que tal artigo fosse incorporado ao novo texto constitucional. Na época importantes setores democráticos defenderam que a Constituição deveria estabelecer a defesa da Pátria como a responsabilidade precípua das FFAA.
A redação final, no entanto, resultou deste embate e definiu as condições em que a intervenção militar é permitida pela Constituição. Sob o aspecto legal, portanto, o ponto de vista do General Augusto Heleno atenta contra a Constituição e o estado democrático de direito.
Os fatos demonstraram que o fundamento real do golpe parlamentar não foi o combate à corrupção mas o desmonte do estado brasileiro. Medidas posteriores deixaram isto claro. Foi imposta a antirreforma trabalhista, tenta-se a previdenciária, o nosso patrimônio nacional está sendo entregue aos capitais estrangeiros e a Constituição sendo rasgada. Tudo isto para impor um projeto contrário aos interesses nacionais. E para impedir o retorno do ex-presidente Lula à presidência da República com o consequente retorno do projeto de nação abandonado.
Alguns acham que a intervenção militar viria liquidar com a política de traição nacional, com a entrega de nossas riquezas. É verdade que existem militares nacionalistas. Se bem que os que defenderam a intervenção militar não se referirem à esta questão. Porém terão compromisso com os direitos dos trabalhadores? Com a democracia? Com o respeito à diversidade e liberdade política no caso de um golpe militar? Certamente não!
Diante de tudo isto é lamentável as declarações do destacado professor Moniz Bandeira a favor do golpe. Vários problemas que suscita são reais, mas a solução que ele defende vai na contramão de sua própria história e da experiência do nosso povo com o golpe de 1964.
O professor faz uma denúncia da política antissocial, antidemocrática e antinacional do governo Temer. Critica a PEC que congelou os gastos por 20 anos atentando contra a Constituição. Denuncia a reforma trabalhista e a venda do “esteio da soberania nacional e do poder: o pré-sal e as hidroelétricas”. Fala que “a sociedade brasileira está carcomida pela imprensa” e lamenta o grau de desmobilização da sociedade afirmando “Eu vi a grande massa brasileira, antes havia isso” para concluir erroneamente que “quando o governo sai dos quadros institucionais vigentes, como é o caso atual, a intervenção das Forças Armadas para restabelecer a ordem constitucional é legal”.
O reconhecimento do papel institucional das Forças Armadas e o fato de que ela tenha jogado importante papel em episódios da história política brasileira não é justificativa ao apoio à sua ação fora dos marcos constitucionais. A intervenção suscitada pelo General Mourão é golpe!
Moniz Bandeira acerta ao falar do papel da grande imprensa. Ela teve papel decisivo no golpe parlamentar. Alegando a corrupção fez uma campanha cerrada contra os políticos, a política e os partidos. Tal ofensiva antidemocrática terminou por gerar uma atitude de desconfiança de amplos setores da sociedade na atividade política, o que dificulta a mobilização.
Com isto as forças reacionárias e de direita conquistaram a hegemonia política e de ideias. No entanto a alternativa não está em apelar para um caminho aparentemente mais curto, da intervenção militar. Assim sendo a grave conclusão do professor é jurídica e politicamente errônea e perigosa.
Do ponto de vista jurídico já foi demonstrada sua improcedência. Do ponto de vista político representa abrir brecha para justificar o golpe. Diante do quadro que ele pinta e que no fundamental é correto, a única solução é colocar a saída da crise nas mãos do povo. É a reconquista a hegemonia política e de ideias pelas forças progressistas.
Por tudo isto os democratas devem denunciar, com firmeza, a ameaça golpista. A saída da crise não está em salvadores da pátria e sim no povo. Só o povo poderá decidir os rumos futuros do pais através de eleições diretas com a garantia da participação do ex-presidente Lula.
Caso isto não ocorra e continuem colocando em prática o projeto antinacional e antipopular caberá ao povo, nas ruas, encontrar o caminho que garanta o retorno do país à trilha civilizatória abandonada.