por Bruno Miller Theodosio
Para além do debate entre ortodoxos e heterodoxos, os caminhos recentes da economia brasileira podem ser pensados sob a chave da relação entre a política econômica e as forças sociais que a operam.
Seguindo Duménil e Lévy [1] é a aplicação de um conjunto de políticas econômicas “fora de seu lugar” que ajuda a explicar seu fracasso. As recentes políticas heterodoxas de sustentação do nível de emprego, salário real e uma perspectiva favorável ao trabalho se deram sob uma segunda hegemonia financeira (neoliberalismo), na qual o compromisso assentado entre capitalistas e gerentes se dá sob a égide do “capital portador de juros” e no capital fictício, ou seja, da valorização financeira do capital.
O Brasil é uma economia dependente: se desenvolveu competindo com grandes potências industriais e financeiras e se industrializou tardiamente dentro da dinâmica capitalista global. O protagonismo industrial varguista, o processo de substituição das importações experimentado no século XX e o II PND são alguns dos exemplos de como as elites brasileiras nunca tomaram para si a tarefa histórica de desenvolver as forças produtivas e estiveram sempre a reboque do Estado.
No capitalismo brasileiro, as elites agrárias e industriais se juntaram ao Estado para pautar suas demandas. A “socialização das perdas” quando o governo desvalorizava o câmbio para estimular a exportação do café privatizava os lucros nas mãos da oligarquia-exportadora.
Nos anos de 1990, com a abertura da economia e a introdução do ideário neoliberal no Brasil por meio das privatizações e enxugamento do Estado, as classes gerenciais foram paulatinamente sendo deslocadas do fomento à acumulação para o dos ganhos financeiros. Os trabalhadores de gerência, ao ganharem além de renda do trabalho algumas bonificações em ativos, se deslocaram para a lógica das finanças. A hibridização no topo converge os interesses entre a gerência e os capitalistas e todo um processo de hipertrofia financeira se segue: endividamento do setor financeiro, securitização, derivativos, fundos de pensão e mecanismos de diluição de riscos e aumento de lucratividade – o que se tem é a dominância do “capital portador de juros” e do capital fictício.
O ensaio desenvolvimentista [2] do governo Dilma foi o enfrentamento da lucratividade do setor bancário por meio dos bancos públicos para reduzir as taxas de juros forçando a queda dos spreads bancários. A ideia é que um câmbio desvalorizado combinado com uma redução de juros estimularia a produção nacional, retomando o investimento. Além do incentivo cambial e de juros, o crescimento dos gastos públicos poderia aumentar os lucros e reanimar o “animal spirit” do empresário brasileiro. Tal política foi a tentativa frustrada de levar adiante uma agenda keynesiana (acordo entre gerentes e classes populares) em um ambiente no qual os gerentes já estavam capturados pelas finanças.
Este conjunto de práticas não trouxe os resultados previstos. O crescimento pequeno experimentado no período pode ser atribuído ao papel dos termos de troca na economia brasileira. A ideia dos termos de troca afetando negativamente o desempenho das economias subdesenvolvidas (dependentes) se baseia na tese Prebisch-Singer, a qual atribui características assimétricas no comércio internacional entre países desenvolvidos (centro) vis-à-vis países subdesenvolvidos (periferia) levando à deterioração secular dos termos de troca, deixando os benefícios das trocas nos países centrais.
Na reeleição, Dilma cedeu ao discurso da credibilidade e às expectativas racionais, em suma, ao terrorismo econômico do mercado. O ocaso do curto período desenvolvimentista culminou na virada completa da política econômica: substituição do desenvolvimentismo pelo financismo, tendo, à frente, J. Levy, representante das oligarquias financeiras transitando do keynesianismo coxo (porque não havia base social para levá-lo adiante, por isso ele fora claudicante) para um natimorto conjunto de políticas de austeridade (que nascem mortas porque o ajuste se deu em meio à recessão), o autericídio.
A marca evidente desta inversão é a criminalização dos déficits públicos, que dentro do arcabouço keynesiano podem ser importantes em momentos de crise. O governo, ao ceder ao neoliberalismo, implementou um conjunto de políticas restritivas: corte de gastos e enxugamento do Estado junto de uma política monetária restritiva em nome do combate inflacionário. Esta agenda foi implementada em meio a estagflação, o que levou a economia mais fundo no buraco, aumentando dramaticamente o desemprego e não retomando o investimento.
Portanto, a política que rompeu com o tripé macroeconômico (regime de metas da inflação, superávit primário e câmbio flutuante) em nome do desenvolvimento ensejado pelas políticas heterodoxas fracassou porque foi a tentativa de forçar um compromisso social-democrata dentro da hegemonia financeira. Ou seja, a tentativa de implementar políticas keynesianas (acordo entre gerentes e trabalhadores) sob o neoliberalismo deu errado porque as classes gerenciais já haviam sido capturadas pelas classes capitalistas e seus interesses financeiros.
À guisa de conclusão: é necessário repensar o Brasil e que tipo de nação queremos, criando um projeto de longo prazo no país. É preciso que as classes gerenciais enfrentem o poder do capital financeiro e retomem o compromisso com os trabalhadores para evitarmos o aprofundamento das desigualdades mesmo dentro dos marcos do capitalismo.
Repensar o Brasil de um ponto de vista desenvolvimentista significa romper com o rentismo e com as oligarquias financeiras – mas é preciso lembrar que não existe capitalismo sem crédito e que os capitalistas monetários nada mais são que uma fração de classe da burguesia.
Referências:
[1] DUMÉNIL, G. e LÉVY, A crise do neoliberalismo, São Paulo: Boitempo Editorial, 2014
[2] RUGITSKY, F. Do Ensaio Desenvolvimentista à austeridade: uma leitura Kaleckiana, 2015
– Bruno Miller Theodosio é economista pela USP e mestrando na UFRJ