Juristas pedem ao STF que anule decisão de Renan Calheiros que arquivou o pedido interposto junto ao Senado Federal, em setembro do ano passado
O grupo de juristas e representantes da sociedade civil formado pelos juristas Celso Antônio Bandeira de Mello, Fábio Konder Comparato, Sérgio Sérvulo da Cunha, Álvaro Augusto Ribeiro da Costa, Eny Raymundo Moreira e Roberto Amaral que em setembro pediu ao Senado o impeachment do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF) -– ingressou na última sexta-feira (13) no STF, com madado de segurança mediante o qual solicitam que aquela Corte anule o ato do Presidente do Senado, Renan Calheiros, que, em decisão monocrática, determinou o arquivamento daquele pedido de impeachment apresentado ao Senado contra o ministro Gilmar Mendes.
Renan Calheiros, ao indeferir o pedido, alegou que não caberia ao Senado processar e julgar um ministro do STF por condutas atinentes exclusivamente ao cargo, função que seria dos órgãos próprios de fiscalização do Judiciário.
Decisão ilegal
Para os juristas, o ato do presidente do Senado foi ilegal, pois não é da competência do presidente do Senado decidir monocraticamente sob pedidos de abertura de processo contra ministros do STF. Nos termos do Regimento Interno do SF o pedido teria de ser apreciado pela Mesa da Casa. Levantam, também, os juristas, a suspeição de Renan, que, por ser réu em processo no STF, não poderia decidir sobre algo que beneficia um dos ministros que deverá julgá-lo. Por fim, apontam falta de fundamentação jurídica para justificar o arquivamento da peça.
O pedido
Os juristas pedem ao STF que declare nulo o ato de Renan Calheiros e determine o encaminhamento do pedido de impeachmentde Gilmar Mendes à Mesa do Senado, para o devido andamento do processo.
Fundamentos do Mandado de Segurança
O advogado Marcello Lavenère sustenta que a decisão de Renan Calheiros afrontou o direito líquido e certo dos juristas de oferecer denúncia contra ministros do STF no Senado, direito assegurado pela Constituição Federal (artigo 52), pela Lei 1079/1950 (artigos 38 e 44) e pelo próprio Regimento Interno do Senado Federal (artigos 377). Segundo a legislação vigente compete privativamente ao Senado processar e julgar ministros do Supremo nos crimes de responsabilidade; a legislação também estabelece normas para o processo e julgamento desses crimes (artigos 379, 380 e 382 do Regimento Interno do Senado), pelas quais é da competência legal da Mesa – e não do Presidente – receber ou não a denúncia ou pedido de impeachment.
“Essa competência específica da Mesa não pode ser usurpada pela Presidência do Senado, pois os dois órgãos são distintos e têm jurisdições próprias”, afirma Lavenère, que em 1992, juntamente com Barbosa Lima Sobrinho, assinou o pedido de impeachment contra Fernando Collor de Mello. Em seu MS, Marcello Lavenère demonstra que que não houve consulta de Renan à Mesa Diretora sobre o pedido para processar Gilmar Mendes.
Outro vício legal apontado pelo Mandado de Segurança é ausência de imparcialidade de Renan Calheiros para decidir sobre pedido de impeachment contra autoridade que está prestes a julgá-lo em processos no STF. Como se sabe, Renan foi denunciado perante o Supremo Tribunal por crime de peculato bem antes do protocolo do pedido de impeachment dos juristas.
“O senador Renan Calheiros estava absolutamente impedido de despachar em processo de impeachment contra o ministro Gilmar Mendes, pois tinha conhecimento da possibilidade de vir a ser julgado por ele em virtude desses processos e é negável seu interesse em não contrariá-lo ao denegar o pedido”, afirma Lavenère no Mandado. A imparcialidade, destaca ele, é elemento nuclear do exercício das funções estatais, especialmente do devido processo legal. Por isso, a ausência de isenção é tratada nos Códigos de Processo Penal (CPP) e Civil (CPC), que determinam que o juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que ele próprio for diretamente interessado no feito. “Esta conjuminância de réu e juiz, juiz e réu, é inaceitável no sistema jurídico brasileiro”, resume o advogado.
O Mandado de Segurança também rebate os argumentos de Renan para negar o pedido de impeachment – de que não havia justa causa para embasar o processamento da denúncia e que esta havia sido amparada exclusivamente em matérias jornalísticas e supostas declarações do ministro Gilmar Mendes. Para os juristas, a fundamentação do presidente do Senado foi apenas aparente e tem omissões flagrantes sobre os pressupostos legais que justificariam a medida.
“Sobre a justa causa, ele usou tão somente uma petição de princípio, que não preenche a exigência jurisprudencial. E sobre o amparo em matérias jornalísticas, seu próprio despacho o contradisse ao mencionar, ‘o conjunto probatório carreado aos autos’)”, declara Marcello Lavenère que prossegue: “A denúncia foi, sim, acompanhada de conjunto probatório: autos judiciais, atas e acórdãos do STF, além de arrolar testemunhas e protestar pela apresentação de outras. O farto material jornalístico referido foi anexado porque a conduta do ministro Gilmar Mendes contestada no pedido de impeachment consistiu precisamente no uso da imprensa para declarações partidárias, incompatíveis com a dignidade e o decoro de suas funções”.
Fundamentos do Pedido de Impeachment
No pedido protocolado em setembro no Senado, pedido de abertura de processo contra o ministro Gilmar Mendes por comportamento incompatível com o cargo de ministro do STF, o grupo de juristas acusa Gilmar Mendes de adotar “comportamento partidário” mostrando-se leniente com relação a casos de interesse do PSDB e “extremamente rigoroso” no julgamento de casos de interesse do PT e de seus filiados, “nomeadamente os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, não escondendo sua simpatia por aqueles e sua ojeriza por estes”.
Para os autores, o ministro tem seguidamente ofendido a Constituição, a Lei Orgânica da Magistratura e o Código de Ética da Magistratura ao atuar com parcialidade e conceder frequentes entrevistas nas quais antecipa seus votos e discute o mérito de questões sob julgamento do STF. Além disso, acusam Mendes de atuar de maneira desrespeitosa também durante julgamentos e utilizar o cargo a favor dos interesses do grupo político que defende.
O ministro, apontam os juristas, tenta ainda atuar como legislador ao sugerir e reclamar mudanças na legislação eleitoral, na condição de presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), criticando leis que “lhe cumpre aplicar”.