por: Deputada Luiza Erundina (PSOL-SP)
O governo enviou, nesta semana, uma proposta de reforma da Previdência ao Congresso Nacional, a PEC 287, mesmo que em meio a uma crise institucional, polêmicas em relação ao projeto e ausência de debate amplo com a sociedade. A PEC da reforma da Previdência já foi remetida à Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados.
A proposta de Michel Temer estabelece 65 anos como idade mínima para se aposentar, excluindo a diferenciação de sexo feita até o momento, e tempo mínimo de contribuição de 25 anos, um acréscimo de 10 anos em relação ao atual. Não bastasse, a nefasta reforma exige que o tempo de contribuição ao INSS para obter aposentadoria com valor integral passe a quase meio século. A regra de cálculo do benefício prevê ao cidadão direito de receber 76% da média salarial com que contribuiu. Essa taxa aumenta um ponto percentual a cada ano de trabalho. Portanto, para chegar à aposentadoria integral, será necessário somar absurdos 49 anos de contribuição.
Se compararmos com as maiores economias do mundo, os países que integram o G20 têm médias de idades estabelecidas em 62 anos e 3 meses para homens e 60 anos e 10 meses para mulheres. Ao mesmo tempo, a expectativa de vida no Brasil é menor que a desses países. Pela nova regra, boa parte da população jamais alcançará a aposentadoria, sobretudo a integral.
É como se o governo procurasse sanar o propalado, e discutível, “déficit” da Previdência, simplesmente eliminando o acesso aos benefícios previdenciários, especialmente o direito à aposentadoria, fazendo com que os mais pobres paguem a conta do desajuste da economia e poupando, mais uma vez, rentistas e especuladores que acumulam grandes fortunas.
Uma das perversidades da proposta é que ela, na prática, obriga a população a antecipar o ingresso no mercado de trabalho, ainda ao final da adolescência, o que tende a sacrificar o tempo destinado à educação. Ou seja, a mudança irá manter e reforçar uma situação de desigualdade cruel, em que o filho do pobre começa a trabalhar cedo, enquanto o filho do rico tem o “privilégio” de concluir antes o curso superior – um quadro que inviabiliza a sonhada “meritocracia”.
Além disso, Temer ainda reforça a ideia de previdência privada. Quem desfruta de uma renda mais folgada, com sobras de salários ao final do mês, tenderá a investir em planos privados ou investimentos de longo prazo, beneficiando instituições bancárias.
No entanto, 80% dos trabalhadores que contribuem para o INSS recebem até um salário mínimo, apenas, o que não lhes dá condições de recorrer a tal alternativa. A proposta penaliza ainda aqueles trabalhadores que sofrem com a situação de desemprego: quem ficar longos períodos fora do mercado se verá obrigado a trabalhar até uma idade mais avançada, como 80 anos, por exemplo.
É também perverso aumentar o tempo de contribuição das mulheres, que são submetidas a sobrecargas de trabalho, ao acumularem, no mínimo, o trabalho formal ao não remunerado, feito em casa, com os cuidados domésticos e com crianças e idosos. Dados do IBGE mostram que elas trabalham, por semana, até 5 horas a mais que os homens.
O trabalhador rural também será gravemente lesado caso tal proposta seja aprovada. As atividades braçais e a faina da lavoura e nas regiões rurais tornam o trabalho muito mais desgastante. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) indicam que trabalhadores rurais — tanto homens quanto mulheres — vivem menos do que os urbanos. As mudanças podem provocar, inclusive, novo êxodo rural. O projeto do Planalto ainda dificulta o acesso ao benefício pelas pessoas com deficiência e pelas inválidas, impondo-lhes perdas inflacionárias — já que o benefício não poderá mais ser indexado ao reajuste do salário mínimo.
A lógica perversa que subjaz à reforma da Previdência torna-se mais cristalina quando se considera que o governo, ao anunciar o esforço para equilibrar as contas públicas, nada propõe que mexa com os interesses da elite econômica do país. Ou seja, não se fala em medidas efetivas para coibir a sonegação, para cobrar a dívida ativa, para tributar lucros e dividendos ou para taxar grandes fortunas que poderiam ser revertidas para a seguridade social. Não se fala nos bilhões de reais em contribuições previdenciárias que o Estado brasileiro tem deixado de arrecadar, todos os anos, a título de incentivos fiscais para empresas.
E não se fala que, nos termos da Constituição vigente, a Previdência (junto a Assistência Social e Saúde) integra o Sistema da Seguridade Social, que conta com diversas fontes de financiamento. Além das contribuições de trabalhadores e empresários, esse Sistema deve contar com repasses de contribuições como Cofins, CSLL e PIS/PASEP, por parte do governo. Além disso, a Lei Maior ainda dispõe que poderão ser instituídas outras fontes de financiamento (por exemplo, loterias) para garantir o bom funcionamento do Sistema.
A reforma da Previdência (PEC 287/2016) é, portanto, nefasta, injusta e baseada em pressupostos desonestos. Tal reforma ameaça o modelo de cidadania social. O momento é de resistir. O projeto ainda precisa tramitar no Congresso Nacional até ser aprovado. O governo vai se articular para sair vitorioso. Precisamos somar forças para evitar que tal crime contra os trabalhadores brasileiros se efetive.