por: Sérgio Sérvulo
Acabo de ler, no jornal, que um juiz determinou, ao prefeito de sua cidade, a redução, a “x”, do número de cargos comissionados na administração municipal. Essa é mais uma das decisões estapafúrdias de que tomamos ciência recentemente. Seguindo o exemplo do STF, que perdeu a noção do limite de suas funções, muitos juízes se põem a agir, agora, como se em suas mãos estivessem concentrados tanto o poder legislativo quanto o poder executivo.
Ao ser desenhado o sistema processual brasileiro, previu-se a inevitabilidade dessas derrapagens individuais, e formulou-se um remédio consistente na possibilidade de se recorrer a um tribunal, isto é, a uma segunda instância formada por vários julgadores. Com o recurso, a eficácia da sentença ficava suspensa, de modo a não produzir dano enquanto não fosse examinada pelo tribunal.
Quando alguns fatores começaram a conspirar contra esse remédio, passou-se a admitir, contra decisões individuais de juízes, o mandado de segurança, utilizado, assim, como uma espécie de recurso. Hoje isso não mais funciona, por vários motivos.
Naquele tempo não havia, também, facilidade na prolação de decisões liminares, as quais têm efeito imediato. Assim, se é proferida uma liminar estapafúrdia, começa a produzir efeitos imediatamente, quer caiba, quer não caiba recurso contra ela. Se couber recurso, ela continuará a produzir efeitos até que o recurso venha a ser julgado; se não couber recurso, ela só poderá ser modificada mais tarde, no julgamento do recurso que se interpuser da sentença.
Também não havia para o juiz, no passado, a possibilidade de reforçar a sua decisão estapafúrdia, adicionando-lhe uma injunção fatal, ou seja, fixando uma multa diária, de valor exageradamente alto, para o caso de descumprimento da decisão.
Alguém poderá dizer, como me disse, ontem, um amigo: – nesse caso não se paga a multa. Isso é fácil de dizer, e difícil de fazer. Se o apenado é uma pessoa jurídica, a injunção pode equivaler a uma sentença de morte.
Tenho sustentado (e espero haver demonstrado), em textos técnicos, que a injunção fatal é contrária ao Direito, tanto quanto a multa confiscatória, a pena perpétua e a pena de morte.
Os litigantes, as pessoas em geral e a nação, acham-se perplexos e estupefatos diante desse cenário, como perplexos e impotentes nos vimos sentindo, ultimamente, diante do quadro geral de degeneração política, para o qual não enxergamos saída.
Seria talvez o caso de se convocar uma Constituinte parcial, para revisão da Constituição no que diz respeito ao poder judiciário. Sob o ponto de vista exclusivamente técnico, a tarefa da Constituinte equivaleria a um exercício de Direito Comparado: bastaria reduzir, o judiciário, às dimensões que ele tem em todo e qualquer país civilizado, isto é, sem os hiperpoderes que maneja aqui.
Essa parece uma forma adequada, e exequível, de se iniciar a reforma política.